7:17Até tu, Joaquim Maria?

de Carlos Castelo

Em 29 de julho, a Folha deu uma matéria sobre um escrito inédito de Machado de Assis – então com 19 anos – encontrado por um pesquisador. Chama-se A Lanterna de Diógenes. A preciosidade foi publicada no Correio da Tarde, em 22 de outubro de 1858. Machado, como costumava fazer, assinou o artigo com um pseudônimo curioso: ?
Depois de lê-la ficou em minha mente um outro ponto de interrogação. Surgiu logo que passei os olhos pela primeira sentença da rara crônica:
“O folhetinista é o colibri da literatura. Como ele dourado, como ele inquieto e travesso. Rola e mete-se por toda a parte; mas o seu lugar favorito é o baile. Aí vê-lo-eis espanejar-se e saltar como uma andorinha em tempo de verão. Coisa singular! Onde tudo é falso, e mentiroso, é que o folhetinista encontra a sua atmosfera!”
Minha memória, apesar de tantas tormentas, ainda continua sofrível. Eu sabia que já tinha visto esse colibri esvoaçando por outros quintais. Fui logo ao meu box de crônicas do Bruxo atrás das anotações marcadas à lapiseira. Não demorou para que encontrasse o passarinho, agora frequentando uma composição mais recente do mestre.
A ave estava no O Espelho, de 30 de outubro de 1859, portanto um ano após a publicação de A lanterna de Diógenes. Dessa vez, o autor de Dom Casmurro assinou-se M.-as. e usou o mesmo verbo espanejar do artigo inicial.
“O folhetinista, na sociedade ocupa o lugar do colibri na esfera vegetal; salta, esvoaça, brinca, tremula, paira e espaneja-se sobre todos os caules suculentos, sobre todas as seivas vigorosas. Todo o mundo lhe pertence; até mesmo a política.”
Eis aí o nosso Autor manifestando, uma segunda vez, sua queda pelos delicados apodiformes.
A crônica poderia terminar bem aqui se, por acaso, eu não tivesse fechado o Machado de Assis para abrir o José de Alencar. Não é que, em sua seleta de textos, Ao Correr da Pena, existe um de 24 de setembro de 1854, em que ele menciona o danado do beija-flor? Veja com seus próprios olhos, amigo seguidor:
“Obrigar um homem a percorrer todos os acontecimentos, a passar do gracejo ao assunto sério, do riso e do prazer as páginas douradas do seu álbum, com toda a finura e graça e a mesma nonchalance com que uma senhora volta as páginas douradas do seu álbum, com toda a finura e delicadeza com que uma mocinha loureira dá sota e basto a três dúzias de adoradores! Fazerem do escritor uma espécie de colibri a esvoaçar em ziguezague, e a sugar, como o mel das flores, a graça, o sal e o espírito que deve necessariamente descobrir no fato o mais comezinho!”
Mais uma vez Joaquim Maria se colocava adiante do seu tempo imperial. Usando metáfora idêntica a de Alencar num material seu, quatro anos depois, se antecipou à famosa máxima de Jean-Luc Godard que atestava, abre aspas: “não importa de onde você tira as coisas, importa é para onde você as leva”.
O Bruxo tirou o chupa-mel do jardim de Alencar e o levou para voar em seu pomar. É como diz aquele meu amigo doutorando em Letras: “ressignificou”.

*Publicado originalmente no Estadão

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