5:59Imobilizada, ela dá lição de vida

por Célio Heitor Guimarães

O bem informado leitor já ouviu falar da ELA? Se não, lembre-se do físico inglês Stephen Hawking, falecido em 2018. A ELA, ou Esclerose Lateral Amiotrófica, é uma síndrome rara, neurodegenerativa, progressiva e incurável. Começa com fraqueza e a paralisia dos membros superiores e inferiores da pessoa; depois, aos poucos, causa a perda da capacidade de falar, de deglutir e até de respirar. No entanto, o cérebro continua funcionando normalmente, assim como a audição. Estima-se a existência de 15 mil portadores da doença no Brasil e mais de 200 mil no mundo.

Pois aqui em Curitiba temos uma pessoa, chamada Maria Lucia Wood Saldanha, advogada de formação, com bons serviços profissionais prestados ao Sistema FIEP, que tem lutado bravamente contra a doença. Começou quando ela tinha 47 anos, com atrofia muscular nas mãos, progredindo para cãibras, espasticidade, dificuldade para falar e engolir, inclusive a saliva, falta de ar e labilidade emocional. Hoje, encontra-se totalmente imobilizada. Recolhida a uma cadeira de rodas especial, apenas mexe os olhos e os lábios, mas não fala. Só se comunica com o olhar, graças a um programa especial de computador, denominado Tobii, que capta os movimentos da íris e reconhece as letras olhadas. A alimentação é feita por sonda gástrica e é utilizado um ventilador mecânico ligado na traqueostomia para respirar.

Ainda assim, a brava Maria Lucia consegue comandar a casa, a família e a vida apenas com o olhar. Plenamente consciente, continua levando a vida, sai de casa, usa táxi e até ônibus, vai ao shopping e, sempre que possível, à Arena da Baixada, torcer pelo seu Athletico do coração. Escreveu até um pequeno livro de 100 páginas, editado pela Editora Ataîru, que já vendeu, pela internet, mais de 700 exemplares, inclusive na Itália, Canadá, Inglaterra e Austrália, com a renda revertida para a Associação Pró-Cura da ELA.

Apenas com o olhar, Maria Lucia é capaz de expressar o que sente, o que pensa e o que acha de tudo. Não se considera uma coitadinha; pelo contrário, sente-se uma felizarda por estar fazendo o que faz, como pode. Normalmente, a expectativa de vida dos portadores da ELA é de dois a cinco anos. Maria Lucia está viva há dez e sonha com uma cura. Sofreu com planos de saúde, com atendimentos hospitalares incompetentes e relapsos e com um sistema de previdência social arcaico e obtuso, que se recusava a conceder-lhe a aposentadoria por invalidez, apesar dos laudos médicos e da perícia do INSS, mas nunca se deixou abater. E está na luta. É um exemplo de vida e de luta.

Maria Lucia sabe que não é fácil viver como vive, que o desafio é diário e constante, mas aprendeu também que é possível ser feliz, mesmo com tantas limitações. Depende de terceiros para escovar os dentes, tomar banho, limpar-se, vestir-se, virar-se na cama, ser colocada na cadeira, ajustar o computador, colocar e tirar os óculos, alimentar-se e até coçar-se. Mas diz que aprendeu muito com a doença, como ter mais paciência, saber esperar, falar o que dá vontade, não deixar nada para amanhã e valorizar as pessoas pela essência…

“Cada dia é um presente que Deus me dá” – registrou em seu livro.

Por isso, Maria Lucia não deixa de sonhar. Refere-se a sonhos, não a objetivos. E entre os seus sonhos está viver ainda muitos anos. Disposição não lhe falta. Sonha também que possa, um dia, ter a chance de ser beneficiada com a cura. Fé também não lhe falta. Se eventualmente isso não for possível, já tem a certeza de que a sua vida foi bem vivida.

Ave, Maria Lucia! Louvada seja!

 

 

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7 ideias sobre “Imobilizada, ela dá lição de vida

  1. Joao

    Isto é grandeza de espírito, exemplo para que se possa valorizar e compreender os mistérios da vida.

  2. KELLY APARECIDA SILVA FERREIRA DOS Santos

    Meu nome é Kelly, faço parte da equipe de enfermagem da Maria Lúcia há 2 anos. Ele é simplesmente incrível , entre algumas aventuras que já participei, como por exemplo ir ao estádio, ir no centro de busão num evento na boca maldita dia 29 de fevereiro de 2920, ir em ensaio de carnaval, o mais em sonante foi passar uma semana no RJ em dezembro de 2020. Foi diversão atrás da outra, apesar de todo cuidado , é claro. E já estou ansiosa porque a Lu, quer realizar ainda um.desejo: fazer um cruzeiro, é diz que estaremos todas com ela, mesmo relatando o meu medo de água. Aí vc me pergunta: porque vc está ansiosa? E eu te respondo: porque eu tenho certeza que ela vai conseguir realizar esse desejo, Deus vai preparar meios e pessoas pra contribuir com esse sonho da Maria Lúcia e eu vou ter que superar os medos e acompanhá la. A Maria Lúcia é incrível, ela é, carinhosamente como a chamo, minha branquela preferida😍

  3. Inês Maria Unicki dos Santos

    Conheço a Maria Lúcia há dez anos, desde o inicio da doença. Nenhuma limitação imposta foi obstáculo capaz de segurar sua força de viver. Eu a admiro muito pela força de vontade, determinação e ousadia em quebrar os parâmetros.
    Um beijo grande da amiga Inês Maria.

  4. Maria Lucia Wood Saldanha

    Fiquei emocionada com a matéria . Obrigada pelo carinho. Como eu digo sempre , o diagnóstico de uma doença fatal não é o fim de uma vida, mas sim o início de outra.

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