6:46Os alquimistas estão chegando…

por Thea Tavares

Gosto de cozinhar. É minha alquimia. Por isso mesmo, exige todo um ritual e não se trata de empreender um ato mecânico, com a imposição de um horário para cumprir. Tem de ser fruto de um momento prazeroso de criação, sem pressa e com o intuito de se presentear ou de presentear outras pessoas. Do tipo que espera apenas receber aquele elogio no final. Cardápio nada sofisticado ou que se proponha a ostentar, mas elaborado com precisão e cuidados voltados a uma entrega generosa.

Ah, e tem de ser com o coração transbordando de serenidade, livre de inquietações. Você pode pensar: – Então, é nunca, né? Capaz! A gente sempre reserva tempo nas atribulações cotidianas para uma mística assim. Quase uma catarse ou pura abstração. Até porque não é tarefa diária, é só para quando você quer e se permite saborear o momento. Pode mesmo ser num dia comum, sem grandes alardes, mas tem de deixar toda e qualquer preocupação ou obrigação fora da cozinha e concentrar-se apenas no processo.

Dito isto, é colocar um som para ouvir e cantarolar porque sem a música não rola a alquimia. Serve a música que der vontade e estiver no embalo e na vibe do estado emocional. A “malvada favorita” e crítica de estimação que coloquei no mundo batizou o repertório de “suas músicas de fazer faxina”, que foi a forma que ela encontrou de juntar num único pacote a variedade toda daqueles sons e ritmos que não cabem em apenas um rótulo. Nem preciso mencionar que, diante desse apelido dado, passa longe de ser a playlist preferida da criatura. Enfim, ela até se resigna por suportar um pouco dessa contrariedade se quiser que a transformação seja perfeitamente realizada para alegria geral da nação.

Comida também traz aromas que marcam, registram o ambiente e vão contribuir para consolidar a memória daquele momento. Para que os temperos e condimentos sejam os mais fresquinhos que for possível, gosto de ter eles plantados ou dispostos ao alcance das mãos. Colhidos da horta caseira mesmo e esse é mais um toque especial, adicionado à cena. Tudo isso vai para a mesa e faz funcionar. Porque é preciso buscar nos pequenos detalhes, nas menores oportunidades que sejam um enraizamento, uma conexão entre o que nos é essencial e a força, a animação para tocarmos em frente, empregarmos mais e melhor nosso tempo.

O peso da lida e a carga do cotidiano em si são um convite ao devaneio, às ressignificações e à busca de pequenas, mas preciosas motivações, de modo a não perdermos de vista aquilo que nos é essencial. Sem um pit stop básico, sem sorrisos, abraços, confraternizações, fé e vínculos afetivos, a coisa sai dos trilhos ou – uma vez que o assunto é comida – desanda de vez. Tudo o que se puder empreender a fim de aliviar esse peso e carga é para lá de válido. Estamos em uma época propícia para a gente se voltar para dentro, se apoiar no que está perto, atrás das respostas e com foco nas projeções. Pois que venham os alquimistas com suas fórmulas e encantos! Dos mais convencionalmente chamados de sãos até o mais maluco beleza. Bem-vindos para tornar belos e suaves nossos dias.

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