6:37Um clã para chamar de seu

por Thea Tavares

Curitiba, o Paraná e, a bem da verdade, em todo o país é assim, impera um stablishment social que exige emissão de pedigree para validação da notoriedade alheia. Em Curitiba, em especial, a norma se impõe quase que por meio de uma espécie de ordem unida das relações sociais. E já que é assim que funcionam as tratativas onde quer que se vá, até que demorou para acontecer, mas não escapei, dia desses, de debutar para a questão: a que família pertenço? E o “conge”, caso exista? Os filhos integram ou integrarão qual clã nesse nosso eterno feudo? Pega de surpresa, a resposta foi um desconcertante grilar tímido: cri-cri-cri.

Como é que transitei décadas e décadas sobre esse mundo sem me fazer ou me preparar para tal questionamento? Amadorismo social de minha parte. Mas como a pergunta me chegou de uma maneira bastante carinhosa e delicada, foi também com muito respeito que resolvi vasculhar nas ideias um jeito todo próprio de responder a essa curiosidade. Martelei alguns dias esse pensamento e para desbravar as entranhas do passado pregresso da minha gente, tentei incorporar um certo professor Ricardo Oliveira, esse “Indiana Jones” da genealogia do poder político e econômico por essas bandas. Mentalizei até a trilha sonora da série cinematográfica que fez muito sucesso nos anos 80 e #partiupesquisar!

Resultado: nenhum nome de rua! Pendurados literalmente nos galhos dessa tabajarense árvore genealógica, encontrei só o fina flor do operariado tupiniquim. Braçal e intelectual. O povaréu que operacionaliza, sustenta, lubrifica as engrenagens sociais. Na música “Cidadão”, que já foi interpretada por grandes Zés, como o Ramalho e o Geraldo entre os meus preferidos, os Tavares se sentem contemplados e bem descritos. E tem de tudo quanto é cor e tipo nessa raça. Cachaceiro e mulherengo na esmagadora maioria dos casos. Não é à toa que Chico Anysio foi buscar nessa alcunha a identidade mais-que-perfeita para um de seus ilustres personagens.

Guardei de memória apenas dois casos que se destacaram com louvor nos relatos de minha mãe sobre o nosso “salve geral” familiar. O certificado de autenticidade dessas narrativas só existe “por osmose” ou, como se diz hoje no juridiquês aplicado, está apoiado em convicções e é reforçado pela certeza de que dois personagens tão antagônicos só poderiam encontrar guarida entre a linhagem bizarra dos Tavares. O primeiro deles seria padre e um dos traidores da Cabanagem no Pará, que foi um grande levante popular da história do Brasil. A outra personagem, prima distante (a relação de proximidade varia de acordo com a ideologia política do parente que conta a história), apareceria no livro “Brasil Nunca Mais” como sendo uma das pessoas que foram desaparecidas pela ditadura militar instalada a golpe de estado em 1964. Tudo ainda merece um rastreamento mais criterioso e sem juízos de valor.

“Ela me disse que trabalho no correio e que namora um menino eletricista…” (Legião Urbana). 

Enfim, é dessa gente que estamos falando: a ninguenzada, figura de caráter coletivo que costuma frequentar os textos no blog do Zé Beto. Povo que na maioria das vezes vagueia mansamente pela história, invisibilizado na própria apatia da lida cotidiana. Que de vez em quando também se desembesta a protestar, a reivindicar, a desejar (vê se pode!) para que um dia, perdido entre séculos ou milênios, muito, mas muito de vez em quando mesmo na história da humanidade, consiga se ver virado em Presidente da República ou em um líder popular de expressão mundial. Dessas figuras que merecem registro nos relatos da nossa civilização, a despeito de sua pouca ou nenhuma robustez familiar e bancária, para a perplexidade geral da nação.

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