9:42O curso Olavo de Carvalho, o artista da ofensa

Da revista Época, em reportagem de Denis Russo Burgierman

Filosofia, política e destrato à mídia: o que ensina o guru da família Bolsonaro em seu curso online

Meu grande ídolo é Sócrates, não o filósofo, o meia-direita. Mas fiquei curioso quando ÉPOCA me sugeriu que eu virasse aluno de Olavo de Carvalho por três meses. Imaginei que, além de me matricular no Curso On-Line de Filosofia, criado por ele e frequentado por dezenas de pessoas que conquistaram poder político neste ano, eu deveria fazer como os discípulos do Sócrates grego: seguir seus passos por aí. No caso deles, era pela praça mais badalada do Mediterrâneo, a Ágora, vendo o chefe mitar em debates com os poderosos de Atenas. No meu, o plano era seguir o mestre pelas caminhadas nas redes sociais, que fazem um registro quase que hora a hora do que passa por sua cabeça.

O texto que começa na próxima página é um registro disso, o mais sincero de que fui capaz. Procurei me comportar como acho que um aluno deve se comportar: me abri para aprender, tomei notas, li vários livros, fiz um monte de perguntas. Convivi com outros alunos pelas redes sociais, por vezes fui tomar café com eles. Como regra, não identifico os alunos no texto pelo nome, para não causar problemas para ninguém. Não me escondi: usei meu nome verdadeiro, respondi a verdade para quem me fez perguntas (por exemplo, que pago minhas contas fazendo programa como jornalista).

Enquanto eu seguia Olavo, ele estava no centro do Brasil. Viu o pai de um aluno virar presidente da República, nomeou dois ministros, brigou com quase todos os outros, brigou com o partido do presidente, com os oficiais de patente mais alta que a do presidente, com o próprio ministro que havia indicado, viu dezenas de alunos seus ir trabalhar em setores estratégicos do Brasil, encontrou-se com Steve Bannon — líder do movimento populista nacionalista mundial —, varou noites postando ironias, palavrões e filosofia nas redes sociais, pediu dinheiro aos fãs para pagar dívidas, mandou os alunos pedir demissão do governo e ir estudar. Foi assunto todo dia, às vezes tratado com raiva, às vezes com desprezo, às vezes com veneração, quase sempre na capa dos jornais e revistas. Pediu em público a censura à imprensa, a proibição à expressão, o cancelamento de assinaturas, chamou a imprensa e a universidade de inimigas do Brasil, acusou-as de fraude, de crime, acusou o PT de narcotráfico, Jean Wyllys de ser mandante de assassinato, criticou Albert Einstein, Charles Darwin e Stephen Hawking. E deu 14 aulas on-line até certo ponto de filosofia, às quais assisti com atenção, todo sábado à noite.

Eu só observei à distância. Até tentei encontrá-lo, mas ele não quis. Mandei perguntas a cada aula, em cada rede social, nenhuma respondida, não sei se por ele supor uma má intenção de minha parte, que não havia. Tudo bem, não tem problema. Não é só por suas respostas que um professor ensina um aluno: aprendi muito mesmo assim. Espero que seja útil para você também.

27.11.2018

Entrei no Seminário de Filosofia por meio de um navegador: não era um prédio, mas um website. No entanto, algo no design da página parecia pretender me levar para um passado distante, quando filósofos de túnica perturbavam passantes com perguntas complicadas. Não sei se era a cor bege, como que para indicar que ali se bebia de uma tradição tão antiga que o site até já desbotara, ou a inscrição em latim, “ Sapientiam autem non vincit malitia ” (“No entanto, nenhum mal pode superar a sabedoria”).

O fato é que o seminário aceita cartão de crédito: por R$ 60 ao mês, as portas da sabedoria foram abertas para mim. Pronto. Estava matriculado no Curso On-Line de Filosofia (o COF), ministrado por Olavo de Carvalho, o intelectual preferido de Eduardo Bolsonaro e mentor da escolha de dois ministros do governo do pai dele, Ricardo Vélez Rodríguez, da Educação, e Ernesto Araújo, das Relações Exteriores.

O seminário tem um gavião como logotipo — na tradição política dos Estados Unidos, o símbolo da guerra, em oposição à pomba da paz.

Lendo os numerosos textos na página, fico sabendo que o objetivo do curso é “formar filósofos, e não apenas professores de filosofia ou consumidores de cultura filosófica”.

Nesse aspecto, já saí ganhando. Quem faz um curso superior de filosofia numa instituição como a Universidade de São Paulo (USP) geralmente não atribui a si próprio o título de “filósofo” — prefere considerar-se “graduado em filosofia” ou especializa-se e vira “historiador da filosofia”, “professor de filosofia”, reservando o título de filósofo aos grandes pensadores originais que estuda.

Olavo de Carvalho faz o contrário. Como ele se considera um desses grandes pensadores (e assim é considerado por milhares de seguidores), adotou por conta própria o título de filósofo, mesmo sem ter frequentado curso superior — na verdade, não concluiu o primeiro grau.

Autor de mais de 20 livros, incluindo dois best-sellers com centenas de milhares de exemplares vendidos (O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota e O imbecil coletivo, cujas lombadas, vistas de longe numa prateleira, deixam ler apenas as palavras “idiota” e “imbecil”), Olavo é também uma celebridade na internet, com mais de 1 milhão de seguidores no YouTube, no Facebook e no Twitter. Sua fama aumentou na última meia década, quando a frase “Olavo tem razão” tornou-se corriqueira em camisetas e em faixas nas manifestações conservadoras.

Fui me informar no site sobre como o curso funciona. Descobri que ele havia começado em 2009 e não acabou mais. Olavo já havia dado 449 aulas semanais, todas disponíveis em vídeo para quem, como eu, fornecesse o número e o código de segurança do cartão de crédito. Uai, mas como é que vou chegar a um curso já na aula 450? O próprio Olavo tinha a resposta, num vídeo chamado “Aviso aos ingressantes do Seminário de Filosofia”. Lá ele explica que “a filosofia tem uma estrutura necessariamente circular, e não linear. Nós voltamos sempre aos mesmos problemas, como numa espiral. Portanto tanto faz você entrar aqui ou ali, você está sempre no começo e sempre no fim”.

Lembrou-me um pouco de Raul Seixas, mas é que minha cultura filosófica é meio pobrinha. A ideia é eu começar a ver as aulas a partir de agora e, em paralelo, também assistir aos registros em vídeo do começo do curso, a partir da aula número 1. Beleza então, que seja assim, vou me atirar na tal espiral.

À noite recebi um e-mail do Seminário de Filosofia confirmando minha inscrição e avisando que, assim que meu pagamento for processado, terei acesso ao material do COF. Denis Russo Burgierman, filósofo. Hum, não soou mal.

29.11

Mas não recebi material nenhum, só a confirmação do pagamento. E a verdade é que o site é uma confusão. Os esclarecimentos espalhados pela página têm muitas filosofices, como a da espiral, e pouca informação prática. Para começar, em lugar algum encontrei o horário da aula. Mandei mensagens perguntando a todos os endereços que havia lá, e depois também na página oficial de Olavo no Facebook, que tem meio milhão de seguidores e publica dezenas de posts por dia, a maioria deles provocadores.

02.12

Só hoje um aluno bondoso do seminário compadeceu-se de minha aflição e me informou o horário da aula: foi ontem. Perdi. Ninguém do COF me respondeu. As aulas acontecem aos sábados, às 21h30. Nossa Senhora, aulas do Olavão todo sábado à noite por três meses. Quem disse que seria fácil arrumar um título um pouquinho mais na moda do que “jornalista”?

05.12

Finalmente assisti a minha primeira aula, gravada — a 450, que perdi no sábado. O mestre falava num microfone imenso, que a perspectiva fazia parecer maior do que a cabeça dele. Ao fundo, uma grande prateleira cheia de velhas encadernações, decorada aqui e ali por alguns objetos: uma imagem da Virgem Maria acima e ao centro; dois modelos de caravelas, não sei se de Colombo ou Cabral; pequenas imagens de santos e de personagens históricos, como o general Robert Lee, que comandou as Forças Confederadas na Guerra Civil americana.

O general Lee nasceu no estado da Virgínia, nos Estados Unidos, onde ficava a capital dos confederados, que defendiam a preservação da escravidão — e onde Olavo vive desde 2005, quando se cansou de ser governado pelo PT. É de lá que ele transmite aulas, enquanto dá tragadas fundas num cachimbo e beberica de um copinho cheio de licor de laranja, produzido pelas monjas da Abadia de Santa Maria, em São Paulo.

A aula 450 começou com ele pedindo desculpas pelo tema que trataria, aparentemente distante da filosofia. “Mas acho que é importante para entender como os comunistas dominam a cultura brasileira e não deixam passar nada — a não ser de vez em quando, uma migalhinha, como fizeram comigo no jornal O Globo.” Ele se referia a uma coluna que manteve no jornal desde os anos 90 — foi também colaborador fixo aqui desta ÉPOCA.
“Mas a Globo me botou para fora quando comecei a falar muito do Foro de São Paulo, que eles tentaram esconder por 16 anos e, quando não dava mais, tentaram minimizar.” Segundo Olavo, o tal Foro é uma organização que reúne centenas de grupos de esquerda e é comandada em conjunto pelo PT, pela família Castro e pelas Farc, a guerrilha colombiana que acabou metida com o narcotráfico. O Foro existe mesmo, mas andei conversando com vários jornalistas liberais e conservadores — já que, segundo Olavo, não dá para confiar nos de esquerda — e todos me garantem que é um evento irrelevante, que reúne burocratas de partidos de esquerda de vários países. O Foro não tem nada de secreto: tem website e credencia repórter para entrar.

“Mas não estou reclamando, não”, ele continuou. “Ter sido mandado embora da Globo foi uma das melhores coisas que me aconteceram — foi aí que comecei este curso, e minha vida melhorou muito.”

Compartilhe

2 ideias sobre “O curso Olavo de Carvalho, o artista da ofensa

  1. Jose

    Taí um cara com o qual nunca perdi um segundo.
    Mas fico a imaginar uma conversa entre ele e o pombo…

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.