6:37Baú de Guardados

de José Maria Correia

Há quem veja no passado só perdas e danos.
Eu que tenho no peito um baú de guardados, vejo também os ganhos.
Cada momento raro e delicado de amor, alguns secretos, outros clandestinos e inconfessados, pecaminosos, apaixonados e até mesmo os apenas idealizados.
Cada um deles ali está como um relicário.
Como doces memórias no tão buscado jardim do paraíso.
Penso como o ator Vittorio Gassmann: na vida, como no espetáculo de teatro, deveríamos ter mais de uma oportunidade – uma para ensaiar, outra para representar.
É uma das inspirações que me movem para viver em plenitude, pois não haverá segunda chance.
E para ser pleno há que ter corageme ousadia para correr riscos – só assim uma única vida intensa pode valer por muitas mornas.
Escreveu o poeta Geir de Campos que, para se chegar  à pradaria, onde estão os campos das flores mais raras, é preciso antes passar pelas picadas das serpentes.
Por isso, em minhas vidas que se esgotam, quando estou em solidão noturna, me ponho a admirar o firmamento como os lobos que uivam com melancolia nas estepes.
Que mensagem esconderá a lua em seu esplendor que tanto me encanta e me machuca ?
Nāo sei e nunca vou descobrir.
E é no isolamento da noite quase invernal, ao lado do mar de brumas e névoas antigas, que me recolho em silêncio de eternidade, quebrado apenas pelo cântico milenar das ondas a me seduzir fatigado, e me embalar .
Há um aperto no peito do baú de guardados escondido.
Uma angústia, quase um desespero contido.
Entāo, em um gesto humilde de súplica, contemplo essa lua misteriosa e mística entre infinitas estrelas; e com delicadeza para homenageá-la deixo entreaberta minha janela na penumbra.
Que espero?
Que ela, generosa, de seu manto de prata envie um de seus raios mágicos para me acordar desses sonhos naufragados.
Que venha iluminar essas vidas de que falei .
E invada minha alma encarcerada com seu brilho e magia para despertar do encanto esses amores aprisionados – para que voltem a viver.
Que venha me visitar.

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