6:29Acessos vacuns de tosse

por Ivan Schmidt 

O que estaria acontecendo hoje no Brasil? Pergunta difícil de ter uma resposta que não se transforme num amplo leque, muitas assimiláveis e outras esdrúxulas, como a sugerida pelo deputado federal Sibá Machado (PT-AC), líder do partido na Câmara dos Deputados, para quem se repete atualmente a operação de agentes da CIA no processo de instabilidade e derrubada do governo Goulart, em 1964.

Para o deputado, a CIA está por trás do enfraquecimento do governo Dilma, da mesma forma que age para desestabilizar governos socialistas mundo a fora, dando como exemplo a Venezuela e alguns países árabes.

Falando sério, são de fato reais as ameaças de golpe brandidas hoje tanto pela direita quanto pela esquerda, para usar a surrada nomenclatura que bravamente resiste ao tempo e a própria evolução dos estudos políticos?

Amostra dessa dicotomia verificou-se nos últimos dias 13 e 15, com as manifestações nacionais de defesa e reprovação do governo Dilma Rousseff, convocadas pelo MST, “o exército do Stédile” de acordo com a definição de Luiz Inácio Lula da Silva e por entidades organizadas como a Vem pra Rua e outras, que se valeram das redes sociais para conscientizar manifestantes.

A enorme diferença numérica do público que saiu às ruas na sexta-feira e no domingo mostrou a fragorosa queda da popularidade da presidente Dilma, aliás, confirmada na pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha dois dias depois das manifestações, na qual 62% da população consideram o governo ruim ou péssimo. Apenas 13% dos entrevistados acham que Dilma vai bem.

O fato que ninguém esconde é que Dilma tem hoje muito menos do que tinha no segundo turno em que conseguiu a reeleição. Caso a disputa fosse agora, é só uma hipótese, seria inevitavelmente derrotada.

Nem três meses se passaram da posse e o inferno astral fumega perigosamente no entorno da presidente, quer pelo envolvimento de políticos importantes do PT e da base do governo no escândalo denunciado pela Operação Lava Jato, quer pela súbita reviravolta da estrutura político-partidária governista, com a flagrante debandada do PMDB e, ainda, a lambada insolente protagonizada pelo PP, outro dos grandes partidos da base, que entrou com a maioria absoluta dos figurantes na lista de Rodrigo Janot, já entregue ao Supremo Tribunal Federal.

Com a presidência e o controle das duas casas do Congresso, Renan no Senado e Eduardo Cunha na Câmara, este com um apetite insaciável de dar bocadas na marmita da presidente, o partido que também ocupa a vice-presidência da República com o deputado Michel Temer, já infligiu algumas derrotas sentidas pelo governo desde a instalação da atual legislatura.

Renan Calheiros devolveu ao Planalto o texto da medida provisória sobre mudanças na política fiscal e trabalhista, exatamente nos pontos que Dilma prometera não mexer, apesar de vacuns acessos de tosse. O presidente do Senado, como experimentado animador de comícios, justificou a atitude verberando que “o Congresso quer ser cada vez mais Congresso”.

Na casa vizinha, o presidente Eduardo Cunha (Calheiros e ele estão na lista de Janot), ordenou a instalação da CPI da Petrobras e a ela compareceu espontaneamente para depor, negociou com o ministro Joaquim Levy alguma flexibilidade na correção da tabela do Imposto de Renda para evitar a derrubada do veto de Dilma, assim como tem esnobado o articulador político do governo no Congresso, ministro Pepe Vargas.

A última golfada dessa dispepsia que nem doses cavalares de Engov resolvem deu-se na quarta-feira (18), com o comparecimento do ministro da Educação, Cid Gomes, convocado pelos deputados a esclarecer a afirmação feita há algumas semanas, em Belém, de que a Câmara teria entre “300 e 400 achacadores”. O clima de rinha de galo cresceu até atingir o auge do espanto, quando o ministro sob apupos da maioria presente dirigiu-se ao presidente Eduardo Cunha que o acusara de “mal-educado”, para bradar que “preferia ser acusado por ele de mal-educado do que ser como ele, acusado de achaque”.

O PMDB anunciou a decisão de retirar-se da base aliada se o governo não agisse com rapidez em relação ao ministro boquirroto (não sei por que me veio à mente a figura do cabo Anselmo). Pouco antes das oito da noite, o ministro Aloizio Mercadante, chefe da Casa Civil, telefonou a Cunha para relatar que Cid Gomes não era mais ministro. O episódio poderá apressar a esperada reforma ministerial, outro suplício de Tântalo que Dilma enfrenta antes de completar três meses de governo.

E, aí, mesmo com tanta confusão institucional, pode-se afirmar que o clima é de golpe? Da esquerda ou da direita? Qual desses grupos tem bala na agulha para impor sobre o país um regime discricionário? A chamada elite jura que os socialistas de esquerda têm orgasmos ante a possibilidade de se perpetuar no poder mediante o golpe. E a esquerda brande o mesmo juízo de valor, apontando a participação de manifestantes clamando pela volta dos militares ao poder, embora a sociedade repudie prontamente a aleivosia.

A comparação forçada com o período efervescente do pré-golpe de 1964, talvez sirva para botar no devido lugar o juízo dos pregoeiros das trevas. O então presidente João Goulart, deposto no dia 1º de abril, a cavaleiro de um suposto esquema pronto para entrar em ação, mas foi um logro, contava além do dispositivo militar do general Assis Brasil, então chefe da Casa Militar, com o apoio dos governadores Miguel Arraes (Pernambuco) e Mauro Borges (Goiás). Tinha também o apoio de importantes intelectuais da época, dentre os quais se destacavam Darci Ribeiro, Celso Furtado, Ênio Silveira, Álvaro Lins, Barbosa Lima Sobrinho, Dias Gomes, Jorge Amado, Cavalcanti Proença, Moacyr Félix, Nelson Werneck Sodré, Oscar Niemeyer e Osni Duarte Pereira.

Quais são os intelectuais de peso que fecham em gênero e número com o governo Dilma Rousseff?

Além disso, a União Nacional dos Estudantes (UNE), cujo lema era “a hora é de ação”, presidida por José Serra e Marcello Cerqueira (alguém sabe o nome do atual presidente?), outras importantes associações estudantis do país, uma bateria de jornais populares, sindicatos e nomes conhecidos da política – Luiz Carlos Prestes, Leonel Brizola, Francisco Julião, Almino Alfonso e Neiva Moreira, para citar os mais conhecidos, estavam com Jango.

Em outubro de 1963 o confronto ideológico entre esquerda e direita era um dado que não surpreendia mais ninguém. O deputado petebista Almino Alfonso dizia claramente que uma das duas fatalmente aconteceria: “A saída golpista ou a revolução social”. Estava coberto de razão.

A chapa esquentou de verdade nos últimos dias de março do ano seguinte, e Jango que parecia desprezar o poder ao invés de dar ordem de prisão aos sargentos e cabos insurgentes, como escreveu Paulo Francis aceitou “o princípio da subversão da hierarquia das Forças Armadas, o que deve ter chocado até muitos oficiais pró-legalidade e pró-Jango”. Jango também não tomou providências punitivas contra a imediata rebelião de marinheiros e fuzileiros navais, aquela insuflada pelo cabo Anselmo, voltando a irritar grande número de oficiais das três armas.

A situação tornou-se insustentável e na madrugada de 31 de março para 1º de abril, o general Olympio Mourão Filho botou os tanques na estrada de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro, fazendo marchar recrutas que sairiam correndo ao primeiro tiro. Jango que estava em Brasília pegou um avião cedido pela Varig e se mandou para o Rio Grande do Sul. Poucas horas depois foi deposto pelo Congresso e o tal dispositivo militar do general Assis Brasil, uma piada para o próprio Jango, não soltou um mísero traque.

Ou seja, nem esquerda ou direita tinham armamentos, planos e pessoal treinado para entrar em combate. A direita, como se viu, tinha as Forças Armadas e foi essa a diferença. Em 2015 com quem está o chamado estamento militar? Estará, por exemplo, disposto a atender a voz de comando de um ex-oficial inferior e hoje deputado federal, Jair Bolsonaro, ou a não permitir que aventureiros de quaisquer matizes ideológicos rasguem a Constituição?

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3 ideias sobre “Acessos vacuns de tosse

  1. Sergio Silvestre

    Esse povo deveria enfiar o rabo entre as pernas e deixar o governo governar.
    Aquele imbecil senador pelo psdb o Aloisio disse que quer ver a Dilma sangrar,que tipo de sujeito e esse que quer 180 milhões de brasileiros se ferrando por causa do projeto politicos desses lambões.

  2. ferreira

    ” Estará, por exemplo, disposto a atender a voz de comando de um ex-oficial inferior e hoje deputado federal, Jair Bolsonaro, ou a não permitir que aventureiros de quaisquer matizes ideológicos rasguem a Constituição? ”
    Eis a questão, a Constituição Federal, para os representantes do poderes dessa república de canalhas, já foi rasgada e agora serve de papel higiênico nos BWC nos palácios brasilienses e em algumas mansões ao largo do Paranoá.

  3. leandro

    É bem melhor uma pessoa só sangrar, visto que é um sentido figurado, como o Lula sempre usa suas metáforas, do que uma única pessoa com uma caneta mal usada fazer milhões sangrarem, quando não tem creche, posto de saúde, escolas, professores qualificados, pois ganham uma merreca, falta de segurança, morre pessoas inocentes todos os dias, doentes na fila de hospitais por uma cirurgia, aposentados sem atendimento , sem suas míseras pensões corrigidas, pacote econômico em cima da cabeça de todos nós, então que sangre a Dilma.

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