por Josias de Souza
Dilma Rousseff prepara para fevereiro o anúncio de mais uma reforma ministerial. Será algo inqualificável. Muito fácil, portanto, de qualificar. Arma-se em Brasília um conchavo do impudor com a ineficiência, do qual o interesse público preferiu se abster. A presidente não vai trocar propriamente de ministros, mas de cúmplices. Não está à procura de um bom gabinete, mas de uma equipe politicamente rentável.
Quem não quiser perder a compreensão do que sucede, deve levar em conta o seguinte: há sob Dilma inacreditáveis 39 ministérios. Ganha um doce quem for capaz de recitar de cabeça os nomes de mais de cinco ministros. Dilma já deflagrou a negociação com os partidos. Ganha dois doces quem achar no noticiário uma ideia que tenha sido discutida nessas conversas para aperfeiçoar a gestão pública.
Guiada por Lula, Dilma persegue dois objetivos. Quer chegar à campanha presidencial com um tempo de propaganda na TV que nenhum candidato jamais obteve. E deseja confinar os rivais Aécio Neves e Eduardo Campos em vitrines eletrônicas diminutas. Daí a troca de ministérios pelo apoio à reeleição da chefa. Quem está dentro quer mais. Quem está fora quer entrar.
É insuportável a normalidade com que a reforma de Dilma é tratada. Algo de muito anormal precisa acontecer. Sob pena de passar por natural o que é absurdo. Ninguém mais parece se importar com o fato de Brasília ter virado templo de um sistema administrativo que gira em torno de privilégios, verbas e empregos. Noutros tempos, a poltrona de ministro inspirava mais respeito.
No livro “De Notícias e Não-notícias faz-se a Crônica” (Editora Record, 1987), Carlos Drummond de Andrade acomodou na página 69 um texto que diz muito sobre a importância que o primeiro escalão do governo já teve no passado. ‘Serás Ministro’, eis o título. Começa com um diálogo.
— Esse vai ser ministro, sentenciou o pai, logo que o garoto nasceu.
— E você, com esse ordenado micho de servente, tem lá poder pra fazer nosso filho ministro?, duvidou a mãe.
— Então, só porque meu ordenado é micho ele não pode ser ministro? A Rádio Nacional deu que Abraão Lincoln trabalhava de cortar lenha no mato e chegou a presidente dos Estados Unidos.
— Isso foi nos Estados Unidos.
— E daí? Nem eu estou querendo tanto pra ele. Só quero que seja ministro.
No batizado, ao pronunciar o nome do filho, o personagem de Drummond proclamou:
— Ministro.
— Como?, estranhou o padre.
— Ministro, sim senhor, teimou o pai.
— Tonzinho, não foi Antônio de Fátima que a gente combinou?, tentou consertar a mãe, sem sucesso.
Hoje, com meia dúzia de exceções, os ministros não passam de administradores do efêmero. Consolidaram-se como uma espécie de nada com direito a carro oficial e jato da FAB. O fisiologismo há muito deixou de ser percebido como parte do sistema. Passou a ser visto como o próprio sistema.
Num instante em que tanta gente reclama dos passeios da garotada da periferia nos shopping-centers, é no mínimo desalentador que o rolezinho do anacronismo pelas cercanias dos cofres da Esplanada inspire tanta passividade. Melhor prestar atenção. Nesse shopping, o seu bolso é a praça de alimentação!
*Publicado no UOL