8:41Eu vi Mané Garrincha

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Hotel das Paineiras (RJ) – Fotos de Roberto José da Silva

 

 

Eu vi Mané Garrincha na sacada de um dos quartos do Hotel das Paineiras, aos pés do Cristo Redentor. Foi há pouco tempo. O prédio em ruínas, mas o Mané estava lá com aquele sorriso que, mais sincero, não existe. Ele fez 80 anos nesta semana que passou, mas ali debruçado sobre as a madeira carcomida, parecia aquele da foto com a taça Jules Rimet no colo. Eu vi Mané Garrincha naquele prédio que abrigou as seleções campeãs de 58, 62 e 70. Fiquei alegre e, ao mesmo tempo, triste, porque o Mané é o Mané, mas o prédio me deu uma ideia do Brasil que avança no tempo e se perde no caminho. O Mané que apareceu pra mim não era o jogador, porque ele está no patamar dos gênios da bola. O que apareceu ali com o maravilhoso agasalho verde e amarelo, era o brasileiro mais puro que se tem notícia. Talvez por isso, mesmo sem saber, bebia – e não teve a sorte que estou tendo de ter conseguido parar para sobreviver. Eu vi o Mané e lembrei da cena do filme “Garrincha, Alegria do Povo”, onde ele, bicampeão mundial, andou pelas ruas do Centro do Rio de Janeiro como mais um brasileiro e, depois, com o Fusca presenteado, chegou à sua Pau Grande, no município de Magé, na casa simples do conjunto habitacional da fábrica de tecidos – e dançou com as filhas, e jogou bola no campinho de terra que ainda está lá, como vi hoje numa foto de jornal, e, descalço, bateu uma bola com os amigos e, depois, foi tomar cachaça com Coca-Cola no boteco de sempre. Eu vi Mané Garrincha naquelas ruínas e por um instante achei que ele foi embora tão cedo para não ver tudo isso que está aí. A começar pelos cabeças-de-bagre que não serviriam nem para engraxar as chuteiras dele e ganham fortunas e são celebridades fabricadas e andam empinados e são paparicados pela imprensa esportiva que hoje fica colocando tudo em números. Se jogasse hoje, alguém escreveria: Manoel Francisco dos Santos deu tantos dribles para a direita, chegou à linha de fundo tantas vezes e cruzou tantas vezes – um desempenho menor tantos por cento do que na partida anterior. Essa é a ruína em forma de modernidade – e a parafernália disponível de aparelhos eletrônicos, comunicação intergalática, deixou o brasileiro abestalhado ao ponto de nem saber mais como canta o sabiá. Eu vi Mané Garrincha nas Paineiras e tive vontade de gritar lá de baixo que hoje nós somos os Joões de uma forma que nem ele imaginou: driblamos a nós mesmos. Em troca do carro na garagem, da tv com oitocentos canais e internet banda larga para bunda mole, vendemos a alma e esquecemos o que interessa. É o Brasil do shopping, do consumo enlouquecido aqui e lá fora. É o Brasil sem memória, sem cultura, sem educação e com muito, muito ladrão. Eu vi Mané Garrincha e lembrei do seu humor. O círculo que desenhou num daqueles testes psicotécnicos, quando lhe pediram a figura de uma pessoa, que, ao espanto do psicólogo, ele logo esclareceu: “É o Quarentinha!”, seu companheiro no Botafogo que tinha uma cabeça enorme. Hoje, humor é bandalheira, como o Brasil e o hotel onde eu vi Garrincha. Eu vi duas das filhas de Garrincha no bar “O Torto” aqui em Curitiba. E tive a felicidade de poder agradecer pelo que o pai delas deu ao Brasil. E também porque me deu uma noção do que vale a pena neste país virado do avesso, que segue aos trancos e barrancos, como no título de outro gênio da raça, o professor Darcy Ribeiro. Por isso eu vi Mané Garrincha naquela tarde de sol na sacada do hotel das Paineiras. E seu sorriso a indicação de que o meu país eu mesmo faço, assim como ele fez.

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3 ideias sobre “Eu vi Mané Garrincha

  1. leandro

    Legal Z B. Tive a oportunidade de ver umas duas ou três vezes ao vivo o MANÉ jogar. Uma delas foi no torneio que inaugurou os refletores do Estádio Durival de Brito e Silva pertencente na época ao Clube Atlético Ferroviário. Jogaram Botafogo, Guarani de Campinas e Ferroviário. O garrincha deu tantos dribles no lateral do Ferroviário chamado Alceu, que o mesmo ficou duas semanas procurando voltar para casa de tão tonto que ficou e olha que o Alceu era bom jogador.

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