11:20E dona Diva, Collor?

por Luiz Cláudio Cunha *

Este Fernando Collor é uma figuraça! Na terça-feira (3), ele assomou no vetusto plenário do Senado Federal transvestido na sua melhor fantasia. Envergando um terno bem cortado, escandindo as palavras com voz firme e grave, exibindo a autoridade moral de um catão da República, Collor nem de longe lembrava a figura colérica que cinco dias antes telefonara para a sucursal da revista IstoÉ, em Brasília, para desancar o repórter Hugo Marques:

− Se eu lhe (sic) encontrar, vai ser para enfiar a mão na sua cara, seu filho de uma puta!… – deblaterou o elegante pró-homem das Alagoas.

O azar de Collor é que a conversa foi gravada, e seu castiço linguajar ganhou o mundo via internet. Baleado por sua própria incontinência verbal, Collor ressurgiu ante os senadores, humilde e educado, no papel de vítima. Reconheceu que a `altercação` é um dos traços de sua personalidade e, refugiado em termos exóticos garimpados com solércia nos escaninhos mais recônditos de um dicionário recém-descoberto, decidiu atacar o jornalista, definido por ele como `apedeuta` (indivíduo sem instrução, ignorante).  Com uma calculada amnésia, renomeou Hugo como `Bruno`, que ele imagina talvez ser ofensa tão grave quanto confundir Fernando com Pedro.

Autonomeado ombudsman da imprensa, Collor tratou de lamentar os `rufiões` (brigão, individuo que vive às custas de prostituta) do jornalismo que atuam  para `forjicar` (maquinar, forjar) apenas pelo prazer do `doesto` (insulto, vitupério). E sapecou no seu inconfidente uma variegada penca de adjetivos: `jagodes` (pessoa importuna, apalermada), `sicofanta` (delator, patife), `cáften` (proxeneta, gigolô), `sicário` (pistoleiro, malfeitor).

Depois de reinventar o idioma, Collor tratou de repaginar a Constituição, que de fato preserva a liberdade de pensamento e, no inciso XII do seu Art. 5⁰, garante a inviolabilidade do sigilo telefônico. Collor reclamou que Hugo (ou Bruno) gravou sem ordem judicial e sem o seu conhecimento uma `conversa telefônica de cunho estritamente particular`. Sabe-se agora que o elegante Collor de retórica ensaiada e vocabulário comportado ao microfone do Senado é, no particular, um desbocado e grosseiro detrator, que só se revela por inteiro, à socapa e à sorrelfa, na intimidade do seu tosco linguajar.

Mais grave do que seu estilo privado é seu flagrante apedeutismo legal. Qualquer um pode gravar a sua conversa com alguém. Quem diz isso, como deveria saber o apedeuta Collor, são as duas maiores cortes judiciais do país. Em novembro de 2000, julgando o habeas-corpus 14.336, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Edson Vidigal, afirmou: “A jurisprudência desta Corte tem afirmado o entendimento de que a gravação de conversa por um dos interlocutores não configura interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal”. Vidigal seguia decisão exarada em setembro de 1998 pelo então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim, hoje ministro da Defesa do Governo Lula que Collor tanto defende para alavancar sua campanha a governador em Alagoas.

“É lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privacidade quando interlocutor grava diálogo com sequestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista”, sentenciou o ministro Jobim no habeas-corpus 75.3381RJ. A jurisprudência firmada pelo Supremo protege, portanto, qualquer um que se sinta ameaçado, como ficou explícito no furioso telefonema de Collor, prometendo enfiar a mão na cara de Hugo (ou Bruno). Em agosto do ano passado foi Collor quem enfiou a cara na lama ao elaborar, no Senado, um fétido discurso em que revelava estar “obrando, obrando e obrando” na cabeça de um articulista da revista Veja que ele não conseguia digerir. A obra acabou depositada, para sempre, nos anais da Casa.

Obrando, Collor continua a desfazer da paciência e da inteligência dos brasileiros. Não se espera que ele chegue ao ponto de se desculpar pelo que obrou como presidente e pelo que agora obra como senador. Muito menos se imagina um ato de contrição pelo que disse ao injuriado Hugo (ou Bruno).

Mas Collor bem que poderia se desculpar com a personagem mais humilde e decente dessa história, e que nunca se prostituiu.

Dona Diva, uma honrada e respeitável senhora de 70 anos que ainda hoje trabalha como cabeleireira em Brasília, é a mãe de Hugo Marques.

Dona Diva não merece, Collor!

*Luiz Cláudio Cunha é jornalista e apedeuta.

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