0:06Faca amolada na pedra

O sol amahece sobre as águas silenciosas da baía e todos os matizes faíscam por cima das ondas, dos topos das árvores, do casario suspenso entre as brumas da aurora, dos campanários, das velas de um saveirinho aqui e acolá. Os cheiros são uma mistura almiscarada de maresia, peixe fresco, comida de tabuleiro e mingau, café torrado, bosta de vaca, lama do mangue, melaço de cana, aroma de flores. O que se ouve são burburinhos enganosamente próximos, trazidos pelos ecos sobre as colinas, descampados e coroas, gritos dos pescadores que, depois de passarem a noite nus, trabalhando no meio do mar, agora celebram ter peixe para vender e embicam ruidosamente as canoas para a rampa do Mercado, atitos de bem-te-vis e sanhaços, zumbidos de moscas, a lambida sonolenta da água nos costados dos barcos apoitados, o zizio de uma faca sendo amolada na pedra.

de João Ubaldo Ribeiro em “O Albatroz Azul

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