7:25Sofá

por Fernando Muniz

É tarde. Mulher e filhos dormem. A casa entra em silêncio. Na sala de TV, tudo calmo. O leitor carrega para lá recortes de jornais, revistas pela metade e livros com leitura interrompida, na esperança de ler tudo antes do amanhecer.

Que satisfação seria essa, que o faz se jogar naquele sofá, horas de sono atiradas pela janela, chegando quase à exaustão? Por que esse sacrifício todo, em um mundo onde imagens valem muito mais que palavras, tudo é fugaz e corre rápido para o inconsciente?

Lê porque precisa; precisa porque lê. Redundância que dispara contra si e a vontade de largar tudo e dormir, sorrateira, a lembrá-lo que, afinal de contas, nunca vai saber tudo; precisa descansar.

E o leitor volta a divagar, entre o final da pilha de jornais e a retomada de um livro. Lê porque lê, porque precisa, porque traz uma sensação que não é alegria, nem tristeza, e, sim, de contentamento.

Oras, por que dar crédito a esse impulso?

Com certeza tudo seria mais fácil, pois a reflexão pesa e o prazer impera. Quanto mais imediato, mais sedutor é. Interrompe o livro; chega a fechá-lo. Espreguiça-se no sofá. Tira os óculos, coça os olhos e toma um gole d´água.

Mas como vai enfrentar a vida, homem sem imaginação, sem compreender os mistérios do mundo? Deixar a procura de lado não é resposta, nem solução. É o oblívio. Se os livros são a pedra a carregar morro acima, que sejam, pois o perigo surgirá no dia em que as respostas começarem a aparecer. Para onde ir, então?

O leitor parece gostar do ler sem fim, enquanto o ritmo da vida continua sala afora. Faz frio. A família continua a dormir, tranquila. As páginas se sucedem, na ânsia de que tudo termine antes do nascer do sol, que já se aproxima.

Pouco importa se no dia seguinte o sofá vá estar na sala de TV à espreita do leitor, lembrando-o da sina que se renova a cada manhã e o leva a buscar a si próprio pelas páginas dos jornais, dos livros inacabados e das revistas pela metade.

O importante é ler.

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