7:25Sociedade, política e desordem social

por Mario Cesar Flores*

De um lado a verdade oficial: as crises são pontuais, o país vai bem. Do outro, a realidade: atendimento caótico à saúde, má qualidade da educação, economia capenga com crescimento pífio e permeando tudo, insatisfação, desassossego social, insegurança e desrespeito generalizado à lei. Este artigo se refere à sociedade e à política no desassossego social e desrespeito à lei.

Nossa desigualdade de origem histórica – mas evidenciada nos últimos anos de voracidade consumista – e os desacertos na condução política do país são de fato a causa protagônica da insatisfação social e de suas manifestações violentas, são a causa maior da epidemia de criminalidade que flagela o Brasil. Mas também é verdade que a desordem encontra ambiente psico-social complacente ou conformado – se não simpático – no ânimo do povo.  Por sua vez o mundo político se inclina à leniência, atento aos reflexos eleitorais do humor popular: sua condenação do delito é complementada por uma combinação de complacência justificada pelas causas sociais do delito, com a crítica de ranço demagógico aos métodos de imposição da ordem. Em suma: existe na sociedade uma propensão a confundir liberdade democrática com licenciosidade, complementada na política pela tolerância nebulosa.

Exemplos de sintomas da ambiguidade: no cumprimento de decisão judicial de reintegração de posse a policia é sempre acusada de violenta, já a resistência à ação policial com paus, pedras e coquetéis molotov é vista com tolerância naturalmente propensa a legitimá-la. Em conflitos entre policiais e delinquentes a policia é a priori responsável pelas vítimas inocentes – motivo de protestos e vandalismo difuso (já que só os policiais matam inocentes, não seria o caso de retirar a policia das áreas conflituosas…?). Dezenas de pessoas que pleiteiam algo, ou reclamam de algo, bloqueiam ruas agredindo o direito de dezenas ou centenas de milhares e o desbloqueio é “negociado” durante horas de sacrifício para o povo atingido. Com sabor de penitência “politicamente correta”, a ênfase conferida à atribuição das corregedorias da polícia em favelas do Rio de Janeiro: ouvir queixas sobre abusos policiais.E em claro descaso pela ordem constitucional: a leniência (no caso, mais política) com as “greves” das PM. Negociar o fim de “greves” de militares é rendição ao desafio à constituição. Haveria tolerância similar se militares das Forças Armadas usados na segurança publica se declarassem em greve por seus interesses? Provavelmente não, com razão A continuar a leniência, para proteger a constituição da violação consentida conviria rever o status militar das PM, ou a proibição da greve.

Quanto à mídia: em sintonia com o ânimo popular, parte dela tende a criticar mais o uso da força no restabelecimento da ordem do que o delito em si e a resistência violenta à ação policial. Essa tendência sugere preocupação com as Forças Armadas na segurança pública: no clima vigente qualquer conflito com vitima será espetacularizado com viés antimilitar, pelo menos até que se evidencie o contrário, quando a opinião publica já estará condicionada.

Alguns programas de TV e rádio, pretendidos como noticiosos, fazem do crime, entretenimento: a título de condená-lo sensacionalmente, fatos e tragédias que mereceriam minutos de notícia comedida e criteriosa se estendem por dias ou semanas, num circo-espetáculo repetitivo (imagens e falas) de mau-gosto, que banaliza o crime divertindo a audiência vulnerável esse tipo de anticultura.

Esse quadro de convivência melíflua com a desordem e ilegalidade está nos levando à tolerância na distinção entre o certo e o errado, à vulgarização complacente e/ou conformada do delito, do trivial ao crime grave, do desrespeito à faixa de pedestre à corrupção no serviço público, à queima de ônibus, assaltos, invasões, saques, ataque a bancos e até a instalações e viaturas policiais, está nos levando à lassidão comportamental na “cultura popular brasileira”. Reflexo desagradável do contexto: a imagem de país inseguro e em desordem, que está sendo divulgada no mundo, no cenário da copa.

A solução decisiva desse nosso macroproblema depende de correções em nossas políticas socioeconômicas (educação, saúde, redução da desigualdade…). E para que elas aconteçam precisamos de um paradigma político em que predomine mais o estadismo do que o populismo ilusório, de retorno eleitoral imediato. Um paradigma político capaz de reconstruir a credibilidade do Estado, a esperança e confiança no Estado, em suas instituições – sobretudo nas políticas hoje desacreditadas – e na democracia, cujo descrédito é evidenciado no alto percentual de cidadãos que não votariam se o voto fosse facultativo. E também capaz de controlar o vale-tudo vigente no país, dentro da moldura do direito, mas sem concessões simpáticas à desordem – até porque correções profundas de natureza econômica e social seriam inviáveis em clima de insegurança e desordem.

É possível isso? Convém que seja. Tolerância com o anormal não evita – na sociedade consciente até estimula – a percepção popular da incompetência e improbidade na gestão pública. Medidas que pretendem a segurança, a exemplo das Unidades de Policia Pacificadora (UPP) em favelas cariocas, não “compensam” a ausência ou atuação insatisfatória do Estado no múltiplo espectro do apoio social – haja vista os conflitos em favelas ditas pacificadas e os protestos agressivos às UPP, que refletem o repúdio às instituições do Estado no ânimo do povo mal atendido. A insatisfação, hoje bem expressa em protestos contra gastos públicos na copa ao invés de no apoio social, pode mais dia menos dia sufocar a tolerância e atingir nível insuportável – hipótese já insinuada em junho de 2013, explodindo em convulsão de objetivos e rumos incertos, mas que provavelmente desembocarão em algum detrimento da democracia.

*Catarinense de Itajaí, Mario Cesar Flores terminou a Escola Naval em 1952 e foi promovido a almirante de Esquadra em 1987. Foi comandante-em-chefe de Esquadra, ministro da Marinha e, já na reserva, secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Membro do Instituto de Estudos Políticos e Sociais (Rio de Janeiro), do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp, do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo e do Centro de Estudos Políticos e Estratégicos da Escola de Guerra Naval. Autor do livro Bases para uma política militar (Ed. Unicamp, 1992).

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Uma ideia sobre “Sociedade, política e desordem social

  1. sergio silvestre

    “O governo não é obrigado a dar educação para os seus filhos e sim ter uma rede de ensino e professores para o alfabetizar.Educação quem dá são os pais,ajudados pela família,tios e padrinhos.
    A mania nacional hoje em dia do brasileiro é reclamar,porque o programa de radio do fulano se o prefeito ou o governo pisar na bola eu vou lá e faço barraco.
    Não é assim ou eu exagero.Vivemos falando mal dos SUS,mas só vamos ao médico quando a água bate no queixo,não fazemos prevenção das doenças e quando adoecemos com o mal já cronico,queremos que em questão de horas sejamos atendidos,ai lota hospitais,postos de saúde,e ai vem os oportunistas sensacionalistas para botar mais lenha na fogueira.
    Assim nosso Pais acostumado com fartura de alimentos e água temos aqui um povo acostumados com fartura de lixo e desmazelo,aja visto na minha cidade Londrina,onde a dengue toma conta em pleno Outono,onde temos uma população que pensam ser ingleses,onde o centro da cidade cheira a chiqueiro de porcos e uma legião de promotores e ongs afrescalhadas que barram tudo que se vai fazer de bom na cidade.
    Não é privilegio só de Londrina ter uma população assim,mas por causa das muitas universidades que se espalham por aqui,sobrecarregou de indivíduos muares que pensam com o tornozelo e não sabem o que fazer para aparecer.
    “problema de um Pais são os vagabundos políticos,os vagabundos da justiça e os vagabundos sem cargos que não deixam o Pais andar e os trabalhadores trabalhar”
    Estamos a anos-luz para ser um pais não alfabetizado mas educado.

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