12:24Cinema e arquitetura

por Yuri Vasconcelos Silva

Tão importante quanto a estória que se desenrola na tela, a arquitetura imaginada pelos diretores de arte se beneficia de maior liberdade que a arquitetura concreta deste mundo real.  Mas estas asas ainda têm envergadura limitada. Os cenários devem reforçar a intenção do diretor e sutilmente alinhavar uma das costuras que reforça a trama completa, assim como faz a trilha sonora. Em bons filmes, a arte sugere mensagens subliminares que sussurram na orelha do espectador segredos sobre o filme.

O Iluminado – num hotel de luxo vazio, imenso e labiríntico, é impossível compreender o espaço desdobrado em vários planos durante o filme. São cômodos, corredores, salões, banheiros em sequências que incitam a curiosidade do telespectador. Tal qual o garoto iluminado, a câmera vasculha o assustador e também atraente interior do hotel, numa curiosidade que aumenta na mesma medida da tensão do filme. A cuidadosa produção preenche a tela de elementos que sugerem algumas respostas possíveis ao que se passa com Jack.

Blade Runner – chove o tempo todo. O filme é opressivo. Escuras e nebulosas, as ruas estão sempre lotadas. Os edifícios são maciços e colossais, para abrigar uma população oriental que parece ter explodido e dominado o mundo, como gafanhotos. Outdoors em telões coloridos voam sobre a cidade. A estória é típica de um conto noir, com o detetive, o cara mal e um bom mistério. Percebe-se que alguém é poderoso ou rico quando o personagem usufrui de um espaço amplo para seu escritório ou casa. Neste futuro, espaço é para poucos. Apenas em um momento a perspectiva se abre, pára de chover e a tela fica mais colorida que os tons de preto e cinza que dominam o filme. Mas tal visão otimista não fazia parte dos planos do diretor. Ridley Scott desejava o noir do começo ao fim.

Grande Hotel Budapeste – colocando em pausa, qualquer que seja o momento, um segredo de composição espacial se revela. A simetria. Quase todos os planos apresentam uma simetria tão descarada que metade da tela parece estar diante de um espelho. Arquitetos e matemáticos sabem o quão belo é a simetria à percepção humana. Ainda é interessante perceber que o tom de cada cor, cada objeto é forçado um pouco, um passo em direção à fantasia. Não chega a ser uma animação ou alegoria, mas existe uma marca especial que diz à platéia que se trata de um filme de Wes Anderson. Os espaços apresentados cutucam a curiosidade também mas, ao contrário de O Iluminado, trata-se de uma busca positiva por novos ambientes, como crianças num parque de diversões buscando o próximo brinquedo. O hotel adquire sua importância quase como um personagem central e cria uma conexão de afeto com todos, dentro e fora da tela.

Batman, de Tim Burton – O diretor é o próprio criador de sua visão artística para a arte de seus filmes. Tim Burton esboça o cenário e figurinos como um artista plástico. De fato, seus trabalhos gráficos já ganharam até mostras em museus. Com o orçamento de Batman, pode mostrar sua estranha predileção pelo sombrio e bizarro. Estas características são as mesmas do herói deprimido. Gotham City aparece nas telas como uma cidade que se alonga para o céu negro numa arquitetura gótica adaptada à fantasia do diretor. A cidade é cheia de ruelas e fumaça de esgoto, estátuas esculpidas se confundem com os edifícios. Grandes janelas sempre mostram, de dentro, a silhueta da corrupta Gotham lá fora. Sombras estáticas ou móveis reforçam que ali é o habitat do morcego e seus fantasmas. A metrópole é apresentada como uma caverna cheia de estalactites, morcegos e sombras. Nenhuma outra Gotham foi tão bem desenhada.

*Yuri Vasconcelos Silva é arquieto

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