8:05NELSON PADRELLA

DIÁRIO DA PANDEMIA

(*) Não sou homem que leva desaforos pra casa” – disse o meigo rapaz. “Pego eles e levo-os a passear pelos parques da cidade, pelos campos que rodeiam Curitiba, depois lhes digo adeus para que vivam sua vida em liberdade”.

(*) É um povinho muito rico em inventices, esse aqui do condomínio. Alguém deu a ideia de fazer um jogo assim: dizer os nomes dos dinheiros por esse mundo afora. Ou a dentro, se você vai visitar o médico do ozônio. Quem começou foi o Antenor (nome fictício, que nunca consigo lembrar como se chama esse lazarento). Ele disse “Real”, mostrando sua falta de generosidade em fazer a escolha mais fácil. “Dólar” – disse a mulher que enche minha casa de gatos, a maioria camuflados em moiséses, não sei donde que ela tira tantas cestinhas. “Mil-Réis”, disse o capitão que toma banho no ofurô e se não furô é só dar uma passada em Santa Catarina que o furo dança. “Euro”, bradou a vizinha que mora longe, lá nos quintos do apartamento 16. E a coisa foi afunilando. Já estávamos em sestércio, em dinaro, em xelim.

            – Xereca – bradou o juiz de briga de galo.

            Um silêncio constrangedor. Depois de um tempo, o cara explica que era uma moeda usada só nos lupanares de Pompéia. Ninguém acreditou, mas juiz falou, tá falado.

            Anos se passaram. Um dia, alguém lembrou de reviver aquele jogo. O primeiro dinheiro lembrado foi “Xereca!”. (A moeda tinha sido absorvida pelos contendores).

            – Frango!

            – Que frango, rapaz?

            – Era moeda de troca no sítio onde eu morava.

            – Moeda de troca já foi falada. Está subliminarmente explícito em xereca.

            – Então, então…deputado!

            Risos muitos. Alguém se lembrou do tempo que éramos felizes e não sabíamos. A brincadeira já tinha acabado, mas continuávamos on line, jogando conversa fora. Foi quando Eulália (nunca hei de me lembrar do nome da vizinha do 13, fica Eulália mesmo) gritou:

            – Cruzeiro!

            As risadas cessaram e uma nuvem de saudade – talvez até remorso -, nos cobriu a todos.

(*) Às vezes, me faço à sacada e ponho-me a berrar: Amafalda! Amafalda! Lembrança de alguma menina que devo ter amado num ontem sepultado na memória. Analice! Analice! foi minha namoradinha quando eu, cheio de medos e alegrias, encontrava-a na pracinha da cidade onde morávamos. E tinha a Célia, que um dia me segurou num canto da casa e quis que a beijasse, e eu escapei daquele abraço porque a amava muito e foi a última vez que nos encontramos e eu a amo até hoje. Éramos tão crianças! Celinha! Celinha!, grito da sacada, nas madrugadas bêbadas, eu infeliz por aquele beijo que ficou faltando. Maria Alice! Teresa! Nanci! E sempre uma voz anônima surge do nada para gritar Cala a boca, burro! Ou Vai dormir, desqualificado. Foi ontem que, tomado por um sentimento que não pude decifrar, pus-me a gritar: Democracia! Democracia! E de todos os apartamentos veio a resposta no som de panelas sendo espancadas, e isso me trouxe um sentimento tão forte, uma irmanação com todos os que sentem perdidos.

DITADOS AVÍCOLAS BRASILEIROS: Ligado que nem frango novo em terreiro de galo velho.

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