por José Maria Correia
Hoje não verei chegar ao final da tarde na velha Rua Gutenberg as senhorinhas delicadas, todas com mais de noventa anos e cada uma trazendo sua lembrancinha em impecáveis pacotes envoltos em papéis de seda.
Já não virão com a poeta Helena Kolody as colegas da turma de 1930 do Instituto de Educação, as mestras Raquel e Vivian e as amigas Laís, Tina, Jusil, Jardi e Yvonne, todas sempre tão gentis.
Os alvos guardanapos de linho e bordados a mão permanecerão dobrados nas gavetas e as delicadas xícaras de porcelana não estarão postas na mesa de aniversário decorada com pequenos arranjos de violetas azuis.
Não vou ouvir tocar o telefone repetidamente e nem escutarei a conversa animada das velhinhas me chamando de Tindo, como na infância, elogiando as tortas de morango e nata e comentando como a aniversariante Cecy está bem disposta, jovial e alegre.
Também não vou mais sentir o cheiro inebriante do café recém passado e dos bolinhos de goma e de polvilho da Lapa, nem a campainha irá soar anunciando a chegada de mais uma amiga de tantas décadas para o lanche festivo.
Não estará a Lurdes, a fiel empregada, mais filha que funcionária, com o avental branco como marfim, entretida em tirar do forno os pasteizinhos de camarão e de massa caseira, receita da tataravó Eulália.
E não tornarei a ver a mãe no ir e vir com os pratinhos, preocupada em espantar da mesa a gatinha de estimação bem idosa, mas ainda travessa e animada para beliscar uma fatia de presunto.
As netas e as bisnetas pequenas não chegarão com seus mimos para ouvir da bisa a mesma frase “Não precisava se incomodar filhinha, a bisa só queria a presença de vocês”.
A casa de mais de sessenta anos estará mais silenciosa e nostálgica do que nunca.
Insuportavelmente silenciosa em seu jardim de rosas adormecidas.
Mamãe e as amigas com seus pequenos passos já partiram deste mundo ilusório.
Pela vida de bondades ilimitadas, certamente transcenderam para outro plano de maior evolução, um espaço etéreo de amor em plenitude e no qual ela acreditava reencontrar o pai que já fora antes com outros irmãos desencarnados.
Oxalá seja esse o destino comum.
De minha parte fica a frustração imensa de não ter podido organizar a festa de centenário que havia prometido para homenageá-la como eu gostaria.
A vida, entretanto, não nos permite realizar todos os sonhos que sonhamos.
Mas, em compensação, me deu o privilégio raro de ter convivido com a mãe por 97 anos, tempo em que tive ao meu lado a pessoa mais generosa, justa e solidária que alguém poderia desejar ter.
E é para ela que escrevo neste entardecer de brumas e silêncio, longe de tudo e de todos, isolado em um quarto de hotel na fronteira distante do país.
Escrevo desolado e mais fragilizado do que nunca pela ausência eterna e irremediável.
As letras sofridas brotam no papel como lágrimas de um grito primal de orfandade.
Um choro encabulado e adulto, mas também infantil e intuitivo como aquele primeiro quando se nasce e se descobre subtraído do aconchego do paraíso perdido do ventre materno.
Um travo amargo e infinito na garganta que não cessa nunca.
Tarde de lírios invernais, de murmuradas preces e silenciosas Aves- Marias.
Minha mãe….
Mãe….