por Zé da Silva
Sagitário
Os fones de ouvido grudaram como ventosas. Ele tentou de tudo para arrancá-los. Não deu. Miles Davis estava de costas para o público e o som do trumpete parecia varar todas as paredes reais e imaginárias. De olhos fechados ele cavalgava imaginariamente aquele som. Ao fim do disco, aquilo. Ele desconectou o aparelho do amplificador antigo, e foi dormir assim mesmo. Sonhou ouvir um violão mágico. Acordou. O som continuava. Não sabia de onde vinha aquilo. Talvez de dentro para fora. Da cabeça para o fone, que reverberava. O pavor da noite anterior foi dissipando à medida que as músicas entravam sem pedir licença. Nada de vozes. Sempre o som de instrumentos. Os artistas eram os que ele idolatrou durante toda uma vida. Ele, então, resolveu ficar na cama. Morava sozinho. Ouviu, ouviu, ouviu. Não sentia fome. Se alimentava de música. O que precisava mais da vida? Mais música. Encontraram-no assim numa manhã fria. O rosto tinha a serenidade de quem cumpriu uma missão. Não entenderam os fones. Tiraram, com facilidade. Jogaram o equipamento num canto, enquanto o corpo era retirado. Ninguém notou que uma música tocava ali. Bachianas. Villa Lobos.