Um beijo e um século: Zé Beto e Dercy Gonçalves
Há um ano ela se foi – e como o Brasil piorou depois disso! Quanta falta nos faz a Dercy Gonçalves que sempre disse, com toda razão, que pornográfica era a fome, a miséria. Pior ainda é a exploração disso. Dercy do circo, Dercy do palco, Dercy da tela, Dercy da vida. De puta a exibicionista, na boca dos “certinhos” de fachada. Tradução de um Brasil que tenta chutar os bagos dos corruptos, esses de terno, gravata e discursos em plenários e solenidades, mas o golpe fica no ar, o palavrão fica no ar, e vai sumindo, e novas lambadas vão descendo sobre os ombros, como se isso fosse normal, como se houvesse na senzala da ninguenzada uma capacidade infinita de absorver tudo. Daqui de baixo olha-se e sente-se o fedor da lama em que chafurdam os que mandam, os que têm, os que vivem à parte. E quando surge uma Dercy Gonçalves, coloca-se logo um rótulo para que a maioria apenas ria e não atente que, assim como ela, pode-se falar, pode-se denunciar, pode-se derrubar, pode-se derrubar para tentar achar algo mais decente para todos. Que honra teve este humilde escriba em encontrá-la e entrevistá-la quando fez um século de vida, pouco antes de ela partir. Cem anos de lucidez, cem anos de energia pura, cem anos de alegria em meio à todo tipo de dor. E o beijo foi um presente recebido para a eternidade. Ali selou-se uma admiração de e para alguém que sabia ler a alma do brasileiro, porque viveu a pobreza e não mudou com a fama. E sempre foi revoltada contra a ignorância e cegueira consentida de quem se diz por cima. Dercy, obrigado e orai por nós, pecadores.
corajoso você! não acreditei quando vi repentinamente essa foto.
Elogio o texto e invejo o beijo.
Zé, perguntar não ofende: foi bom pra você?