7:33Dane-se o futebol

por Xico Sá

Amigo torcedor, amigo secador, vivemos um momento histórico no futebol e no seu palco, seja no estádio ou na tal da arena moderna.

Simplesmente porque resolveram fazer valer a lei que vale no país inteiro também dentro desse circo. O futebol está deixando de ser uma ilha da fantasia cercada de sociedade por todos os lados. Se fosse pelo menos uma indecifrável Lost…

A resistência é grande. Há quem sempre coloque na cota do politicamente correto crimes gravíssimos como a injúria racial, por exemplo. Que o conselheiro Acácio baixe sobre nós e diga que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

Ah, o futebol vai ficar chato proibindo esse tipo de xingamento.

Dane-se essa ideia de futebol, portanto. Se um esporte pressupõe ofender alguém pela cor da pele, que decrete-se o fim do ludopédio.

Não vale a pena enquanto um só goleiro ou um único ponta esquerda tiver o seu trabalho perturbado pelo grito de “macaco” ou “preto fedido”. Seja em Porto Alegre, Milão ou em Conceição do Mato Dentro.

Se for assim, que vingue a rasteira como o esporte nacional de fato, caríssimo Graciliano Ramos, como você desejava profeticamente.

Se for para humilhar a cor do Pelé, melhor esquecer as cores de todos os clubismos.

O futebol não pode ser o único território livre e inimputável. Aquela multidão de machos ainda na fase anal freudiana, sob o escudo da coragem da massa, a bradar as mais pobres rimas da homofobia. Vixe, quanta desnecessidade.

O medo do goleiro diante do pênalti, o medo do torcedor diante da monossilábica retaguarda chamada cu, como se acusar a torto e a direito o protegesse da traição do próprio desejo.

O estádio é o único lugar no Brasil que, repare só, um casal não pode viver junto com camisas de clubes diferentes. Românticos pombinhos mineiros enfrentaram a guarda e conseguiram tal épico no último Cruzeiro x Atlético. Deu confusão, mas foi lindo. Bravos.

O Maracanã, da antigona geral mais democrática do mundo à zona mista de hoje, ainda teima em seguir como a praça mais democrática ou, como queira, menos intolerante. Como é lindo um casal de times diferentes que segue depois do almoço domingueiro e tem o direito mínimo de prosseguir com os dengos no estádio. Isso não é ser fofo e utópico, é reivindicar a cesta básica da existência.

É, amigo, desacostumamos com tudo isso.

Ê mundão bruto e sem porteira. E esse cronista otário fica lembrando desse varejão idiota dos afetos. E esse cronista nada santo insiste que o futebol não vale a pena como ideia de brutalidade testosterônica.

O futebol no Brasil ainda é comandado por gente da Ditadura Militar, veja só. É muito resquício autoritário pra gente lidar. O futebol como ideia de treva não me interessa. Amo tanto o futebol que não concebo tanto atraso em nome da burra paixão clubística.

Bora sair dessa.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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