Sérgio Bernardes, um dos grandes nomes da arquitetura do Brasil, é o tema do documentário feito por seu neto, Paulo Barros, e por Gustavo Gama, em cartaz no Espaço Itaú (ler reportagem abaixo, publicada na Gazeta do Povo). Nos anos de chumbo da ditadura militar ele continuou trabalhando e fez trabalhos para governos – por isso foi colocado no limbo pela patrulha ideológica. É bom ver o filme e comparar com os dias de hoje. Naquele tempo os patrulheiros ideológicos eram os de esquerda, porque os do lado oposto prendiam, arrebentavam e assassinavam. Hoje são também de direita, de centro, enfim, de todos os lados nesta esbórnia chamada Brasil.
por Daniel Zanella
Coração arquitetônico
Em cartaz no Espaço Itaú, documentário Bernardes expõe afetivamente a trajetória de um dos maiores arquitetos brasileiros do século 20, hoje esquecido
Com argumento do neto Thiago, também arquiteto, e dirigido por Gustavo Gama Rodrigues e Paulo Barros, o documentário, um dos selecionados para Mostra Competitiva do Festival É Tudo Verdade de 2014, consegue uma proeza rara em relatos de cunho afetivo: examinar do lado de fora do espelho.
Mobiliário urbano
Sem pirotecnia estrutural, vemos, casa a casa, projeto a projeto, o perfil de um criador singular, piloto de carros de corrida, remador, mulherengo e desapegado ao dinheiro – faliu seu escritório depois de tomar uns calotes dos militares e gastar o que não tinha com mapas da Nasa (!). Também alguém que refletia permanentemente sobre o seu trabalho. “Acredito numa arquitetura ‘sem-presença’, sem pretensão, que assimile o lugar, arquitetura para ser vivida, não para ser contemplada”, diz, em certo momento.
Magnético, inventivo e paradoxal, Bernardes é difícil de ser enquadrado. Seu ideário é deslocado do mundo concreto, algo apontado, inclusive, por ele: “A realidade é a irrealidade em que você vive”.
Autocrítica
Um dos principais méritos do filme, além de contar uma história boa e emocionante, é não resvalar no território da indulgência e vitimização barata. O documentário aborda com coragem as relações confusas do arquiteto com a família e reconhece a desafeição de Bernardes aos aspectos pragmáticos da vida.
Inquieto e ambicioso, Bernardes se torna um pária, rejeitado pela direita, criticado pela esquerda, despertencido de seu país: “Sou um homem maldito. E, por ser maldito, com liberdade”, enfatiza na velhice, pouco antes de morrer, em 2002. Tocante, o documentário fecha de modo emblemático: “Eu invento o meu mundo”. GGGG
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Passagem
Bernardes em Curitiba
Em Espirais de Madeira: uma História da Arquitetura de Curitiba, o professor, historiador e arquiteto curitibano Irã Taborda Dudeque conta uma passagem curiosa de Bernardes pela cidade. Em 1965, a geração de arquitetos da década de 1950 corria o Brasil projetando obras e estabelecendo suas grifes. Oscar Niemeyer, por exemplo, estava embrenhado em Goiás. A capital chama, então, Bernardes para estudar a sua planta urbana.
O “arquiteto da utopia” logo sugere uma nova rodoviária, com mais centrais, terminais ferroviários, cinemas, teatros integrados… Os governantes locais ficam um tanto assustados com a magnanimidade toda – tínhamos, à época, 800 mil habitantes – e resolvem arquivar o projeto.
A verve megalômana-futurista de Bernardes, que aos três anos e meio já construía os próprios brinquedos, assinou inúmeros projetos históricos, como a residência em que Lota Macedo Soares viveu com Elisabeth Bishop, o Pavilhão de São Cristóvão, o Hotel Tambaú, na Paraíba, e o Aeroporto de Brasília.
Programe-se
Bernardes(Brasil, 2014). Direção de Gustavo Gama Rodrigues e Paulo de Barros. Espaço de Itaú de Cinema, às 18h10. Mais informações no roteiro, na página 2.