19:44ZÉ DA SILVA

Como naquela vez, cheguei de madrugada na praça. Jogaram concreto em cima dela. Viajei no tempo e queria ver tudo igual, mas… Sem um puto de dinheiro no bolso, no silêncio da noite quente joguei a mochila nas costas e fui procurar o trilho do trem. Sabia para que lado ir. Sabia que andando pelos dormentes chegaria na lembrança da minha infância. O cheiro ruim das ruas da cidade informava que o esgoto continuava a céu aberto, quarenta anos depois. Saí logo daquela chaga onde ainda havia muitas casas com janela na calçada. Uma lua começou a iluminar mais quando entrei nos arredores. A mata de outrora virou pasto. Passei perto do cemitério singelo. Paredes brancas. Meus pais estão ali. Fiz o sinal da cruz. Cinco quilômetros até o sítio. Reconheci a encruzilhada e a estradinha que passava na frente da casa onde, numa madrugada de sonho, a avó abriu a janela para o filho e para o neto, eu mesmo. Havia uma mangueira centenária ao lado. Onde estão a casa e a árvore? Derrubaram ambos. Sentei exausto. O dia começava a clarear. Pensei ter ouvido o trinar de um pássaro. Será? Então algo veio dali, para meu pensamento – ou seja, do nada que encontrei: tardio triste pio; dentro da goela, pareceu assobio. O choro não parou até hoje.

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