18:21ZÉ DA SILVA

Minha cicatriz é feia, mas pouca gente vê. Grande, esgarçada, atravessa na perpendicular o joelho direito. Quando ela aparece, sempre perguntam. Eu invento. Gosto disso. Digo que foi na guerra do Vietnã, onde trabalhei como carregador de equipamento para um canal de televisão norte-americano. Na selva, a bomba explodiu e matou um repórter. O cinegrafista perdeu as duas pernas. Eu peguei um estilhaço. Reconstruíram meu joelho num hospital de Nova York. Ainda bem que saí de lá. Logo depois os vietcongs completaram a tunda no maior e mais potente exército do planeta. Falo sério. Olho a atenção de quem ouve. Acreditam. Aí, caio na gargalhada. E conto que rompi o tendão acima do joelho e um cunhado enfiou a faca para a cirurgia. Deu tudo certo, menos a costura, que ele deixou com residentes. Mas sempre penso no horror da guerra. Qualquer guerra. E quando estou assim, meu joelho dói.

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