20:29ZÉ DA SILVA

Vi alguém dar um tiro no bem-te- vi. No peito amarelo um buraco, mas sem sangue. Naquele tempo tinha muita mata naquele lugar. Uma menina me levou para passear e ouvi risinhos entre os parentes. Não sabia o porquê. Mas tomei banho no açude pequeno, água turva. Depois alguém foi lá com um pote de barro e retirou água para ferver a fava. Comemos. O lampião foi aceso, mas o bonito era aquela noite sem lua, sem nuvem e muito estrelada. Numa manhã me entupi de comer fruta do conde, que lá chamam de pinha. Me intoxiquei. Chamaram um farmacêutico e ele me furou com uma agulha enorme de uma injeção que me deixou com um calombo na bunda. Isso não foi nada. Inventei de andar a cavalo sem cela. A ferida durou muito tempo para sarar. Nunca entendi por que as portas eram cortadas no meio. Foi assim que minha avó nos recebeu numa madrugada. Parecia a música do Luiz Gonzaga. Foi tudo muito bonito, apesar das dores. Tinha nove anos. Entrei no ônibus para voltar e fiquei chorando por dentro. Aquele era o meu mundo. Até hoje, mesmo continuando distante, mesmo que não exista mais mato, mesmo que a maioria dos parentes tenha morrido. Mas o pedaço de chão está lá para atrair com a força da origem de tudo.

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3 ideias sobre “ZÉ DA SILVA

  1. Sergio Silvestre

    Os caga sebo era um tipo de tiziu pretinho do peito amarelo,tão pequeninho que era um desafio acertar uma pedrada nele com um estilingue.
    Ele acostumava ficar sobre mourões e volta e meia dava um salto tipo pirueta e voltava para o mourão.
    Me lembro ter acertado um tadinho,ele deu o salto e eu soltei a pedrada,quando seus pezinhos tocaram o mourão a pedra pegou bem no seu peitinho amarelo,foi pena pra todo lado,que barbaridade e eu penso até hoje no passarinho que deve ter ido para o céu dos pássaros azarados e eu com uma conta para pagar para São Pedro que não deve ter gostado nada disso.

  2. roberto prado

    Esses dias fui visitar um paraíso da minha infância, sítio de um tio em São Mateus do Sul. Tinha pinus até perder de vista. Zé, nosso reino não é desse mundo, mas da memória afetiva.

  3. antonio

    Aproveitando a deixa saudosista, prefiro não voltar prá certos lugares da infância, a fim de manter na memória vistas maravilhosas. É muito triste desfazer sonhos que tivemos naquela época e que permanecem na nossa imaginação. Tudo muda e sempre prá pior.

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