19:34ZÉ DA SILVA

Durante anos, décadas, sentia o coração e a alma serem triturados juntos no moedor de carne da vida bandida. Talvez por isso não conseguisse falar – e muito menos chorar. Com o tempo aquilo passava. O que era aquilo? O nó que aparecia em situações que, por mais bobas, lhe pareciam a destruição do ser. Toda forma de não deflagrava. Por que com ele? Pensava nisso até quando não podia comer mais um pedaço do bife naquela casa de família humilde. Esquecia de ver que os pedaços de carne batida eram contados pelo número de moradores sob aquele teto que cobria quarto e cozinha. Um filme que não podia ver, depois de se extasiar diante do cartaz, também era triste demais para ele. A censura liberando apenas jovens e adultos com bem mais idade? Não contava. E houve as paixões recolhidas, como dizia a mãe. Por professoras e até uma freira; por colegas dos colégios por onde passou até algumas da  faculdade. Não sabia o que fazer. Esperava surgir alguma porta da esperança para iluminar e ajeitar tudo sem que ele tivesse de agir. Perdeu sempre, mesmo que o outro lado desse todos os sinais para o início de um namoro. Pensava nisso tudo já com idade avançada, depois de anos e anos de divã, drogas, remédios, etc. Sobreviveu, mas ele sabe e sente que moedor de carne continua lá dentro. Porque de vez em quando as engrenagens começam a se movimentar – e ele fica mudo.

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