8:43Um mundo paralelo

por Célio Heitor Guimarães

Edição extra:

Meu comentário dessa quinta-feira, a propósito dos cargos em comissão, mal tinha saído do forno quando recebi a notícia divulgada pela Associação dos Magistrados do Paraná de que o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado havia aprovado, na segunda 23, a chamada “convolação” dos cargos de estagiários de pós-graduação “para o de assessoria comissionada”. A decisão fora unânime e atenderia à reivindicação de juízes substitutos, somando um total de 379 cargos, com vencimentos básicos de R$ 2.179,00.

Segundo o presidente do egrégio TJ, a medida “importará na prestação jurisdicional mais célere, em atendimento à garantia constitucional da razoável duração dos processos. Aqueles magistrados passarão a contar com um novo servidor comissionado, ao invés de estagiário, que possui obrigações substancialmente menores às do ocupante do cargo de comissão”.

A primeira surpresa foi o termo “convolação”. Tenho alguma afinidade com o vocabulário da língua portuguesa, mas confesso que jamais havia ouvido ou lido a tal “convolação”. Fui ao Google, é claro. E lá descobri que o termo pertence ao mundo jurídico e, segundo o Caldas Aulete, significa “mudar de cônjuge, estado, ideias, partidos etc.” ou “transformar (medida judicial) em outra”. Por exemplo, o magistrado transforma uma medida judicial (recuperação judicial) em outra (falência).

Em decorrência disso, constata-se que a tal “convolação” não se aplica ao fim pretendido pelos homens da toga. O que eles almejam é a transformação de cargos e usam o caminho da “convolação” para confundir a plateia, parecer coisa importante, digna de respeito e imune a discussão.

A segunda conclusão, que nem pode ser considerada surpresa, é a vontade da perpetuidade do assessor. Isso é confessado pelo eminente chefe do Poder Judiciário, ao apontar o curto prazo de duração dos contratos de estágio: “Chega ao cabo de dois anos, esses estagiários vão para outro lugar e os juízes ficam realmente sem uma assessoria mais condizente com o respectivo trabalho”.

A justificativa apresentada por S. Exª., no entanto, não se sustenta, com todas as vênias do universo. “Prestação jurisdicional mais célere”?! Quantas vezes já se ouviu isso, sem nenhum resultado prático? “Atendimento à garantia constitucional da razoável duração dos processos”?! Espremida a frase, não sai nenhum suco aproveitável. Isto é, não quer dizer nada.

Não obstante, o senhor presidente foi parabenizado publicamente pelo presidente da Amapar “pela aprovação do importante projeto que reflete uma das principais demandas da magistratura do Paraná”. Isso feito, S. Exª. fez questão de destacar que a medida não compromete qualquer repasse, referente ao duodécimo, do Governo ao TJ-PR. “O Tribunal faz isso com seus próprios recursos. É assim que deve funcionar a gestão dos recursos públicos colocados à disposição do Judiciário em benefício da população” – sublinhou.

Com efeito, excelências! O Tribunal não tem recursos próprios. Também não gera recursos para o pagamento de pessoal. E esses ditos “recursos públicos colocados à disposição do Judiciário” vêm de onde? Da população, excelências. Dessa mesma população citada como “beneficiária” de tal disponibilidade financeira…

Curiosos esses homens da capa preta… Com o uso de terminologia própria, frases de efeito ou cifradas, vão conseguindo as vantagens almejadas. Tudo intramuros. Como se vivessem em um mundo à parte, particular e ninguém tivesse nada com isso, muito menos o erário público.

Apenas mais uma pergunta e uma observação. A pergunta: Já combinaram com a Fazenda do Estado? A observação: Os magistrados de antigamente, que, levando-se em consideração a proporcionalidade da época/número de juízes/número de processos, tinham o mesmo trabalho dos atuais, faziam tudo sozinho, sobretudo aqueles em fase de substituição, e não choramingavam. Ah, sim, e não havia auxílio-moradia, nem auxílio-refeição, auxílio-livro, vale-transporte…, essas modernidades, enfim.

O tempo! O mores! – já dizia o Cícero da velha Roma.

P.S. – Se não estou enganado, também o Ministério Público andou criando novos carguinhos em comissão, em pedidos enviados à Assembleia Legislativa do Estado. Foram 283, do ano passado para cá – segundo informado neste mesmo blog.

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4 ideias sobre “Um mundo paralelo

  1. Estatística

    Olá, Celio.

    No post que falava dos cargos comissionados do MP coloquei um comentário que vale para este também:

    Tem comissionados que sempre foram comissionados e estão se aposentando no cargo.

    Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade (o TJ pede e a ALEP libera), impessoalidade (parente não é pessoa é parente), moralidade (basta a legalidade. Moral não nos atinge), publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

    V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei (alguém aí viu?>, destinam-se apenas às atribuições de direção (tem que mostrar para os novos juizes onde fica o banheiro), chefia (mais chefes que índios) e assessoramento (como os juízes mudam muito de comarca, tem que assessorar na mudança);

    O Juiz muda. O comissionado fica.

  2. Zangado

    Esses sao os donos do poder, que agem dessa forma, como “poder”, para seus benefícios, mas quando se trata de melhorar ou agilizar a prestação jurisdicional, exigindo reformas processuais e procedimentais, deixam seu “poder” de lado e avançam na comodidade para a qual existe sempre uma justificativa. Assim sendo, processos judiciais de improbidade administrativa de autoridades dos altos escalões vão para as cucuias, com ou sem a ajuda de comissionados…

  3. tanso

    “Já combinaram com a Fazenda do Estado?”…. e precisa? Não acha que estão combinados desde priscas eras? Ou os processos do Betinho repousam adormecidos em alguma salinha escondida e trancada o fazem por conta própria???
    Pertinente a abordagem do Célio e não precisa se questionar muito pra saber a que se propõe essa legião de comissionados que pulula as estruturas do nosso Estado e Municípios.

  4. Zé Ninguém

    Se quisermos competência no Serviço Público, incluo aí o Poder Judiciário também, não se contrata mais ninguém sem ter sido aprovado em concurso público específico. Dias atrás uma das Comissionadas deste mesmo TJ vazou para um advogado e, pasmem, via Facebbok o voto de um desembargador, a dita Comissionada já foi devidamente exonerada? Com Comissionados ou Estagiários não podemos contar, contemos com servidores concursados.

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