6:46Temis coberta de vergonha

Por Ivan Schmidt 

Para o jurista Walter Fanganiello Maierovitch, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de S. Paulo e ex-professor da USP, o Judiciário brasileiro viveu no domingo passado lídimo dia de república de bananas, tendo em vista o aranzel de decisões a favor e contra a libertação do ex-presidente Lula da prisão na Polícia Federal em Curitiba.

Para resumir o que todos já sabem e gáudio dos que ainda têm vergonha na cara, a ordem liminar de soltura expedida pelo juiz plantonista Rogério Favretto, que em italiano quer dizer “pequeno favor” foi pulverizada e jogada na lata do lixo por uma contraofensiva imediatamente armada pelo juiz federal Sergio Moro, desembargador João Pedro Gebran Neto, relator do processo de Lula no TFR-4 e, ainda, pelo presidente da referida corte de segunda instância, Carlos Eduardo Thompson Flores, que magistralmente deu a última palavra determinando a volta dos autos às mãos do relator, em serena manifestação de soberania que em bom português soou como um “não se fala mais nisso” tranquilizador de milhões de brasileiros convencidos de que a cadeia é o único lugar onde Lula deve permanecer.

A operação destrambelhada de um grupo de parlamentares petistas e do plantonista do TFR-4, ávido de um lugar ao sol, ocorreu exatamente no seu plantão, dica provavelmente cochichada aos deputados por um coadjuvante com acesso às agendas do tribunal regional, embora haja razões suficientes para desconfiar que o próprio juiz tenha feito a inconfidência, ou até sugerido que se o pedido para soltar Lula chegasse a ele, mataria a bola no peito e assinaria a ordem sem pestanejar. O que efetivamente fez.

Já na segunda-feira, a imprensa informava que o juiz Rogério Favretto chegara ao TFR-4 graças a uma das miríades de filigranas jurídicas comuns no Brasil, como beneficiário da fração reservada aos profissionais do Direito, ou seja, sem a exigência da prestação de concurso público.

Para azedar um pouco mais o caldo, soube-se que o juiz havia sido nomeado para o TFR-4 pela ex-presidente Dilma Rousseff, depois de ter militado por cerca de 20 anos no Partido dos Trabalhadores e ocupado vários cargos comissionados nas administrações petistas, com destaque para a secretaria geral do Ministério da Justiça, sob Tarso Genro, a assessoria da Casa Civil (José Dirceu) e do próprio ex-presidente Lula.

Ora, somente esses retalhos da folha de serviços do referido senhor deveriam lastrear a necessária declaração de suspeição para agir numa situação escabrosa, que além do escárnio altamente pernicioso do Estado Democrático de Direito, escancarou a deformação cultural de quem deveria zelar pelo cumprimento rigoroso da ordem jurídica.  É possível dizer como Roberto Campos que, nesse caso, a ética passou tão longe de Rogério Favretto como Plutão passa da Terra.

Daí o cabal acerto da apreciação de Maierovitch, para quem a mixórdia iniciada por Rogério Favretto faria o Judiciário brasileiro (ou parte dele) passar um domingo à sombra de vasto bananal.

Esse inominável desfrute foi, felizmente, detonado na terça-feira (10) pela desembargadora Laurita Vaz, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na negativa ao habeas corpus em favor de Lula, arguido por um advogado paulista contra a decisão tomada pelo presidente do TFR-4, desembargador Thompson Flores.

A presidente do STJ considerou “inusitada e teratológica a decisão do juiz plantonista do TRF-4 de mandar soltar o petista” segundo informou a Folha de S. Paulo alegando que “a determinação não cabia ao magistrado”. Teratologia é um dos sinônimos da palavra absurdo.

O aleijão jurídico parido por minúsculo grupo de parlamentares petistas com a boçalidade subserviente do juiz plantonista — como explicar a entrega de tribunal tão importante ao alvedrio de magistrado dessa estirpe? – que passou a propagar como fato novo a pré-candidatura do agora prisioneiro à presidência da República, quando a “novidade” está no picadeiro pelo menos desde o impeachment de Dilma?

Fora a tolice de achar que a liberdade de expressão e a participação na pré-campanha como os demais contendores são negadas a Lula, essa gente manda às favas o fato conspícuo de sua inelegibilidade de acordo com a Lei da Ficha Limpa, como é sabido desde os tempos em que a escrita era cuneiforme.

Do despacho da ministra Laurita Vaz consta a declaração irreprochável de que “é óbvio e ululante que o mero anúncio de intenção de réu preso de ser candidato a cargo público não tem o condão de reabrir a discussão acerca da legalidade do encarceramento, mormente quando, como no caso, a questão já foi examinada e decidida em todas as instâncias do Poder Judiciário”.

Ela afirmou também que a guerra de decisões de domingo passado gerou “um tumulto processual sem precedentes na história do direito brasileiro”, suscitando um conflito de competência, ou atribuição, entre o plantonista e o relator Gebran Neto, o que exigiu a escorreita medida saneadora emitida pelo presidente da respectiva corte regional.

O Judiciário brasileiro ainda tem homens e mulheres com visão inabalável sobre o bom direito. Apesar dos áulicos travestidos de magistrados e administradores da Justiça, que em grande parte assumem, sem disfarces, a cara dura dos que ali estão para retribuir a mercê não raro imerecida das nomeações, em flagrante desonra a Temis, a deusa cega da Justiça.

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3 ideias sobre “Temis coberta de vergonha

  1. Célio Heitor Guimarães

    Permita-me a honra de subscrever o vosso magnífico texto, mestre Ivan.

  2. Rock

    Blá blá para enrolar trouxas o que vemos no Brasil é uma justiça com dois pesos e duas medidas ou seja para o PT., e qualquer pessoa ligada a esse partido o rigor da lei para o PSDB e seus aliados o melhor é deixar todos soltos e não incomodar a lei, simples assim.

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