7:04Tem gente nova no Céu! Até um novo jardineiro!

por Célio Heitor Guimarães

Desconfio que está faltando talento lá no Céu. Ou Deus está montando uma equipe de ponta para algum evento especial. Quem sabe uma edição celeste da FLIP? Será uma na divina Paraty e outra na matriz celestial. No prazo de uma semana, sem maior cerimônia, o Criador tirou dos quadros nacionais brasileiros três criaturas que orgulhavam a inteligência terrestre: o baiano de Itaparica João Ubaldo Ribeiro; o mineiro de Boa Esperança/Campinas Rubem Alves; e agora, nessa quarta-feira 23, o paraibano/pernambucano Ariano Suassuna. Tem justificava? Deve ter, mas o Todo Poderoso não costuma justificar os seus atos. Assim, só nos resta lamentar. E chorar a ausência deles. Os três amaram como poucos o Brasil e os brasileiros.

João Ubaldo e Ariano não sei o que vão fazer lá em cima. Talvez manter uma eterna conversa mansa com o Senhor, coisa em que Rubem é também mestre. Mas Ubaldo poderá traçar novas normas de conduta política para a eternidade. Reunirá em torno de uma mesa santos, anjos e querubins e decidirá – a julgar pelo que pontuou ontem, aqui neste espaço, Bernardo Mello Franco, em transcrição da Folha – quem manda, por que manda e como manda. É sempre preciso ter a Casa do Pai em ordem.

Ariano nem bem chegou, está ainda meio atrapalhado com o fuso-horário. Mas, com seu temperamento suave e cativante, visionário como ele só, deve modernizar a cultura divinal, em suas várias vertentes, com a criação do Teatro Popular do Éden e da Academia Sagrada da Arte, a preservação do folclore celeste e a revitalização dos festejos da divindade. Nas horas vagas, reunirá as santidades no Auditório Celestial para uma aula-espetáculo, na qual lhes contará um pouco de sua vida terrestre e muitos causos aqui acontecidos. Presumo que alguns dos presentes decidirão, depois de ouvi-lo, baixar aqui na terra para uma temporada.

Rubem, por sua vez, com quem tive mais convivência e proximidade, sei que foi convocado para cuidar dos jardins do Paraíso. Ele (o Rubem) sempre teve a certeza de que as árvores são uma forma mais evoluída de vida que a nossa. Justificava: “As árvores são amigas. Estão sempre fielmente no mesmo lugar, à espera. E se não comparecermos, elas continuarão lá, do mesmo jeito. Sem nada dizer”.

Mais ainda: “As árvores sabem que a única razão da sua vida é viver. Vivem para viver. Viver é bom. Raízes mergulhadas na terra, não fazem planos de viagem. Estão felizes onde estão. Enfrentam seca e chuva, noite e dia, frio e calor, com silenciosa tranquilidade, sem acusar, sem lamentar. E morrem também tranquilas, sem medo. Ah! Como as pessoas seriam mais belas e felizes se fossem como as árvores!”.

Rubem já quis transformar a educação no Brasil, transformar o ensino em prazer para alunos e professores, abolir a maldição dos vestibulares e tornar a leitura de hábito/obrigação em prazer. Foi um homem que passou a vida fazendo amor com as palavras. E deixou esta vida bastante contrariado.

Como amava como pouco as flores, Rubem será, com certeza, o novo jardineiro de Deus. Tem experiência no ramo. Foi até capaz de nos ensinar que, se tivermos um coração jardineiro, a passagem do tempo, a velhice e a própria morte deixam de ser experiências de dor: “Plantar um jardim é uma liturgia para exorcizar a morte”.

E não foi Rubem quem também disse que “um jardim é a verdadeira face de Deus”?

Pois então? Hoje lá estão os dois no alto, semeando, contemplando e acarinhando as flores. Ao lado de João Ubaldo Ribeiro e Ariano Suassuna. Juntos, os quatro chorarão diante de tanta beleza. A explicação é dada ainda por Rubem Alves: “Por que a gente chora diante da beleza? A resposta é simples. Ao contemplar a beleza, a alma faz uma súplica de eternidade. Tudo o que a gente ama deseja que permaneça para sempre”. E completa: “Só não chora quem perdeu a capacidade de sentir e de amar”.

Ao fundo, os anjos tocarão a Ave Maria, de Gounod, sobreposta ao Prelúdio nº 1 em C maior, de Bach. E tudo mais silenciará.

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2 ideias sobre “Tem gente nova no Céu! Até um novo jardineiro!

  1. sergio silvestre

    Quem compreende os juazeiros e os mandacarus o horizonte amarelado do nordeste,tem que compreender seu povo humilde e trabalhador.
    Fiz uma viagem em 1984,atravessando de balsa de Juazeiro para Petrolina e segui de carro até Mossoró no Rio Grande do norte e nas paragens em cacimbas e boliches para beber água ou comer alguma coisa notava-se a miséria contida nas rugas e no semblante do velho e da criança.
    Era o tempo em que o coronelismo campeava,segregando aquele povo que os políticos usavam para ter seu curral particular
    A dois anos fiz outra viagem passando pelo portal do Vale do Jequitinhonha,Montes Claros e dali até Juazeiro,petrolina e Mossoró.
    Não vi mais crianças comendo palma cozida,vi uma geração nova de nordestinos,que vão a escola,com dentes perfeitos ,mais altos e com boa saúde
    O horizonte amarelado foi mudado para um verde claro e as terras cobertas por pomares e as rasteiras melancias ,melões etc.
    O que isso tem a ver com o grande Ariano Suassuna.Ele na sua veia politica é grato ao Lula pela redenção da sua região,coisa que nós sulistas custamos a entender.
    Ele se vai,mas seu nordeste está pujante e de lá do céu terá sempre a mesma imaginação para contar para os anjos as historias do seu povo que ficou por aqui,e não serão com certeza da miséria e sim da redenção do seu povo.
    “Muitos sulistas não compreendem os nordestinos,precisariam começar a compreender”

  2. leandro

    A virtude de Ariano Suassuna sempre foi a simplicidade e a bondade. Junto com Rubens Alves e João Ubaldo Ribeiro e tantos outros que nos deixaram, como lembrado recentemente neste Blog, o Paulo Leminski fazem no Brasil um momento triste e empobrecido na cultura pela perda de pessoas como essas. No caso de Ariano, mais recente, mostra que nordestino como sempre foi, nascido no estado da Paraíba e radicado e tendo sua vida em Pernambuco teve no nordeste a sua vida como todos os demais, todavia estudou, entre tanta intelectualidade era advogado, e com seu esforço próprio foi o que sempre foi aqui entre nós e com certeza está num lugar especial de acadêmicos lá no céu.
    O Ariano entre outros notáveis e principalmente nordestinos são sim reverenciados por todos, são sim reconhecidos por todos., pois ele e outros do mesmo nível conquistaram com esforço próprio. Não serão os últimos a estarem em evidência, quer sejam nordestinos ou não enfim somos todos brasileiros. A pujança do nordeste ou de outra região, quer no sentido econômico ou no caso cultural, se deve ao trabalho exclusivo de cada um dos brasileiros e não é racional o oportunismo com a perda de uma figura brilhante que nesse momento se atribua a esse ou aquele governo e personagem público o brilhantismo dessa pessoas ou mesmo de uma região, pois se fizeram algi, não fizeram mais do que a obrigação.
    Por fim vale lembrar que alguém disse a tempos atrás que um diploma, um curso seja lá o que for não seria importante, santa ignorância, pois Ariano dá um exemplo que mesmo sendo nordestino como alguém quer colocar esse brasileiros como vítimas do resto do país, que o estudo ainda é a melhor arma e o caminho para qualquer desenvolvimento, pois assim não se fica tutelado de como disseram , dos “coronéis” ou dos sindicalistas que partiram do nordeste e no sul ou sudeste conseguiram se firmar politicamente e assim seguir carreira nesse ramo como se fosse uma profissão, lembrando que até poderia ser, mas nunca um endeusamento leviano como querem fazer.
    Infelizmente a manifestação aqui formulada toma esse rumo, quando o principal foco é desvirtuado para um lado politico do fato principal, que é a perda de figura tão nobre.

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