7:26Revolução de Outubro, 100 anos

Por Ivan Schmidt 

A revolução bolchevique na Rússia em 1917, além de muitas outras características legou à história do século 20 algumas expressões que ainda hoje estão na memória coletiva e, em alguns casos específicos de países e líderes políticos continuam causando inevitável urticária ideológica.

Uma dessas expressões foi a Ditadura do Proletariado (iniciais maiúsculas tendo em vista a importância histórica assumida pela denominação), embora para alguns historiadores modernos não tenha sido um nome apropriado por causa do simples raciocínio de que o proletariado em geral não tem a capacidade de ditar.

Na Rússia revolucionária quem ditava as ordens – algumas absurdas e controvertidas — era o Partido Comunista que se apossou da prerrogativa de falar em nome do proletariado. “A liderança do partido simplesmente assumiu que representava a vontade dos trabalhadores – ou pelo menos, a ‘verdadeira vontade’ deles”, segundo escreveu Archie Brown em Ascensão e queda do comunismo (Record, RJ, 2010).

Com a chegada de Stalin ao poder supremo na condição de secretário geral do Partido Comunista, em substituição a Lenin e a preterição daquele que a maioria tinha como certa a indicação para exercer o comando – Leon Trotski – entrou em vigor a chamada Nova Política Econômica.

A partir de 1920, Stalin passou a defender a tese do “socialismo em um só país”, alegando que mesmo sem a ocorrência de revoluções em países industrialmente avançados, a URSS poderia prosperar de maneira independente. Essa acabou sendo a arma principal do georgiano em seus ataques a Trotski, cujo internacionalismo foi imediatamente interpretado como falta de patriotismo.

Os operários de modo geral não gostavam de Trotski e fecharam com a posição de Stalin que, por outro lado, propôs a rápida industrialização do país acompanhada da coletivização forçada da agricultura, os dois postulados básicos da NEP.

Brown acrescenta que entre 1928 e 1932, “cerca de 12 milhões de pessoas deixaram suas vilas, principalmente homens jovens”. Muitos foram enviados para trabalhos forçados pela recusa da coletivização, ou “foram presos como kulaks, nome dado aos camponeses mais ricos”.

O historiador relata que Stalin deflagrou uma guerra sem tréguas contra os kulaks a fim de implantar com o emprego de métodos brutais a coletivização da produção agrícola, até que a resistência dos agricultores levou o ditador a um recuo tático. “Em muitas regiões, os camponeses preferiam matar os animais de suas fazendas a coletivizá-los”, acentua Brown, para quem “a coletivização forçada e a revolta maciça no interior tiveram consequências terríveis”.

Diz ele que “milhões de camponeses foram arrancados de suas terras e, no fim de 1930, pelo menos 63 mil chefes de família haviam sido presos e executados. Muito mais de um milhão de kulaks foram deportados entre 1929 e início de 1932. A coletivização aconteceu mais rapidamente na Ucrânia do que na república russa, e quando a fome atacou, como resultado da requisição de grãos pelo Estado e dos tumultos no interior, a Ucrânia foi especialmente atingida. No verão de 1933, cerca de cinco milhões de pessoas haviam morrido. Corpos jaziam à beira das estradas e houve casos de canibalismo”.

A política agrária adotada por Stalin espalhou a fome também pelo norte do Cáucaso e no Cazaquistão, como resultado direto da coletivização compulsória e apreensão de cereais por autoridades centrais para a alimentação de populações urbanas “e até para exportação, enquanto as pessoas no interior soviético morriam de fome”, segundo o historiador e cientista político inglês.

Enquanto isso o secretário-geral tornava-se cada vez mais poderoso em seu radicalismo, a ponto de expedir a ordem para o envio de Trotski para o exílio interno em Alma Ata, nos confins da Sibéria, até o definitivo banimento do país em 1929.

O fracasso da velocidade da industrialização preconizada por Stalin também cobrou um preço elevado da administração, porquanto não produziu nenhum dos promissores resultados alardeados pelos admiradores do comunismo no resto do mundo.

Além disso, Brown sustenta que o ditador vermelho, de forma ingênua, fez um pacto com Hitler em 1939 não esperando que este rompesse com um ataque surpresa, como o fez em junho de 1941: “O despreparo da União Soviética para a guerra havia sido imensamente exacerbado pelos expurgos de Stalin. Por algum motivo, ele confiou em Hitler mais do que confiou em muitos altos oficiais que haviam lutado no Exército Vermelho durante a guerra civil. No fim dos anos 1930, eliminou grande parte das unidades de oficiais do Exército. Assim, a União Soviética sofreu baixas maiores nas primeiras fases da guerra no front russo do que teria sofrido se seu exército estivesse preparado e liderado de maneira profissional”.

A comemoração dos 50 anos de idade de Stalin, em 21 de setembro de 1929, foi marcada pelo que mais tarde se conheceu como “culto à personalidade”, fato que ajudou a consolidar o desmedido poder concentrado na figura do ditador, que ele próprio admitia ser algo perfeitamente adequado à psique do povo russo.

“Com a morte de Lenin, seguida rapidamente da remoção de Trotski do poder e de seu subsequente exílio, o regime foi privado de seus líderes mais inspiradores, embora fortemente autoritários. Não era desejável recorrer à democracia como uma base de sua legitimidade, já que isso teria levado à rejeição eleitoral e à derrota do projeto leninista conforme interpretado por Stalin”, observou Brown.

Tanto que o XVII Congresso do Partido Comunista, realizado no começo de 1934, foi chamado de congresso dos vencedores, tendo em vista que inimigos internos tinham sido afastados sem o menor pudor, a coletivização da agricultura fora consumada e a rápida industrialização estava indo bem.

Entretanto, o clima mudou segundo o autor de Ascensão e queda do comunismo, com o assassinato de Sergey Kirov, chefe do Partido Comunista em Leningrado (nome dado à antiga capital, São Petersburgo – rebatizada de Petrogrado durante a Primeira Guerra Mundial – depois da morte de Lenin). Conta o historiador que a morte a tiros de Kirov, em dezembro de 1934, levou a uma onda de prisões.

“Tem sido especulado que o próprio Stalin foi responsável pela ordem de assassinato, tanto porque talvez o temesse como potencial rival, quanto talvez como desculpa para iniciar uma nova onda de terror. Nenhuma prova da cumplicidade de Stalin (fortemente insinuada por Nikita Kruschev em seu discurso no XX Congresso do Partido Comunista Soviético, em 1956) foi, porém, apresentada, mesmo depois da abertura parcial dos arquivos soviéticos, no fim dos anos 1980 e início dos 1990. Certamente, porém, Stalin se aproveitou plenamente da atmosfera criada pelo assassinato de Kirov para acertar muitas contas”, escreveu.

O historiador acrescentou que “alguns dos antigos bolcheviques mais proeminentes, que haviam se oposto a ele nos anos 1920 e antes, entre eles Grigory Zinoviev e Lev Kamenev, foram presos embora não tivessem ligação alguma com a morte de Kirov. Ambos foram executados em 1936”. Assim como outros milhões de cidadãos russos.

Durante a segunda metade dos anos 1930, o poder pessoal de Stalin aumentou de forma ilimitada, mas foi com seus expurgos em massa entre 1936 e 1938 que sua ditadura pessoal se fundamentou na base da perseguição implacável, incluindo familiares, dos considerados inimigos do regime, ou seja, o “grande terror” que tirou a vida de milhões.

O exagero de Marx de que a Europa estava sendo assombrada pelo espectro do comunismo teve razão de ser, mormente ao se considerar o número absurdo de cadáveres que a mesma semeou.

 

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2 ideias sobre “Revolução de Outubro, 100 anos

  1. Uncle Joe

    Não entendi o último parágrafo, ele está correto ? Marx assombrado pelo espectro do comunismo, é isto mesmo?

  2. Sergio Silvestre

    Pois é,os montes de cadáveres daqui,essa montanha de 60 mil almas se colocadas enfileiradas daria 120 km de cumprimento,uma visão macabra desde Curitiba até ponta grossa e se multiplicar por 10 anos essa fileira chega até o rio de Janeiro,e nós preocupados com a história dos outros,que ao menos fizeram a limpa para seus países melhorarem,aqui essa guerra tende a ir piorando cada vez mais,mas alguns ainda se preocupam com os comunistas,que pasmem os srs,o melhor governador do Brasil é o comunista do Maranhão.

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