6:33Revolução de Outubro, 100 anos

Por Ivan Schmidt 

Ao contrário dos que muitos pensam a revolução bolchevista na Rússia em 1917, embora a audácia do gesto, como interpreta o historiador norte-americano Stephen Cohen, em grande medida decorreu das atitudes incompetentes e irresolutas dos rivais, ou “simplesmente de não terem tomado atitude alguma”.

Floresceu também a lenda de que a liderança dos bolchevistas (mais tarde conhecidos como comunistas) galvanizara “um grupo coeso e homogêneo de homens e mulheres que partilhavam a mesma ideia”, mito que permaneceu vivo por muito tempo entre os pesquisadores da revolução.

No livro Bukharin, uma biografia política (Paz e Terra, RJ, 1990), Cohen acrescenta que “a própria decisão de tomar o poder é um perfeito exemplo da desunião do partido, decisão que na época sofria a oposição e até a rejeição de vários companheiros mais antigos de Lenin, inclusive seus principais colaboradores Grigori Zinoviev e Lev Kamenev”.

Os acontecimentos posteriores a 1917 também indicam a falta de unidade em relação aos princípios essenciais do credo revolucionário, intensificando a desunião dos bolcheviques já no início de 1918, quando a política interna e externa de Lenin passou a sofrer forte contestação.

Cohen anotou que ao longo dos anos 20 numerosas controvérsias programáticas se sucederam e só não levaram o partido bolchevique à extinção pela férrea vontade de sobreviver de algumas figuras de relevo: “Um historiador soviético observou mais tarde que entre 1917 e 1930 a liderança política do partido foi uma luta de frações que durou 13 anos”.

Foram duas décadas de embate encarniçado no seio do partido, que aliadas aos “sangrentos expurgos de Stalin durante os anos 30 finalmente puseram fim ao mito de uma liderança bolchevique monolítica”.

A trilha percorrida por Stephen Cohen é plenamente sustentável no afã de iluminar a evidência de que “mesmo constituindo apenas uma pequena corrente do marxismo europeu antes de 1917, o bolchevismo russo abrigava escolas intelectuais rivais e tendências políticas próprias”, assegurando que enquanto “alguns bolcheviques sofreram a influência de diferentes marxismos europeus, outros foram influenciados por ideias não marxistas, e outros ainda pelo populismo ou pelo anarquismo russos”.

Assim, o historiador foi levado a concluir que as discordâncias políticas posteriores “certamente se deveram, em parte, à inesperada vitória, na Rússia agrária e atrasada, de um partido marxista com doutrinas revolucionárias ligadas a sociedades já industrializadas”. Não havia, portanto, uma unidade apta a resistir sem fraturas expostas ao choque das diferenças ideológicas, que Cohen descreve como “uma notável variedade de pontos de vista”.

Essa acabou se transformando na premissa fundamental de sua longa exposição sobre a história da Revolução de Outubro, ou seja, a tese da desconstrução da lenda da coesão dos revolucionários russos, na verdade, componentes de uma federação negociada de grupos, facções e tendências.

Entre fevereiro e outubro de 1917, período que marcou a queda do czar e a tomada bolchevique da capital Petrogrado, segundo Cohen “a Rússia viveu uma revolução social de baixo para cima que não tem paralelo na história moderna. Revoltadas por anos e anos de privilégios oficiais, exploração e repressão, radicalizadas por três anos de guerra e estimuladas pelo repentino colapso do czarismo, as massas – operários, soldados e camponeses – tomaram as fábricas, as guarnições e as grandes propriedades do país. Esgotadas pela guerra, ávidas por terra e movidas pelo igualitarismo, uniram-se num levante espontâneo, plebeu e antiautoritário, que nenhum partido político controlava”.

No verão daquele ano ruíram todas as formas políticas e econômicas tradicionais de autoridade e hierarquia, assim como a ofensiva quantidade de privilégios garantidos às classes consideradas superiores. Instituições populares e descentralizadas surgiram, como os sovietes locais que elegiam representantes para os sovietes mais importantes do país, comitês de operários nas fábricas e de soldados do exército e, ainda, comitês de camponeses nas aldeias que procediam à redivisão dos latifúndios dos proprietários rurais.

“Na primavera, pressionada pelo que ocorria no país, a oposição formou uma coalização de democratas liberais e socialistas moderados vindos do soviete e liderados por Aleksandr Kerenski, também um socialista revolucionário”, escreveu Cohen que, diga-se de passagem, como a maioria absoluta dos historiadores, também não conseguiu ver sentido na pregação de contenção e ordem, reprovação da turbulência revolucionária e a permanência da Rússia na guerra contra a Alemanha, algumas das principais bandeiras do governo provisório.

Nesse caldo fervente, Cohen supõe corretamente a impossibilidade do êxito do regime moderado, seja ele “liberal, socialista ou de qualquer outro tipo”, argumentando que “sujeito aos mesmos problemas sociais e militares que haviam derrubado a autocracia, enfrentando crise após crise durante oito meses, o governo provisório se tornou vítima dessa conjuntura”.

No outono de 1917, o governo de Kerenski já não tinha apoio popular nem tropas suficientes para manter a ordem nas cidades, acabar com as apropriações de terra, cuidar dos assuntos da guerra ou resistir ao amadurecimento do golpe bolchevique finalmente ocorrido no dia 25 de outubro, em Petrogrado.

Para o historiador “o mesmo confronto desigual entre a moderação oficial e o radicalismo popular transformou os socialistas partidários do governo em defensores da lei e da ordem, e isolou-os de sua turbulenta base de apoio. Por volta de setembro, os bolcheviques, em sua maioria, já dispunham de mais força que os socialistas revolucionários e os mencheviques nos principais sovietes de Petrogrado e Moscou”.

A expansão numérica do bolchevismo foi espantosa, e o partido que em fevereiro contava com 24 mil membros e exígua influência política, tornara-se uma organização de massas com 200 mil filiados, “e em outubro governava a Rússia”, testemunhou Stephen Cohen.

 

 

 

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4 ideias sobre “Revolução de Outubro, 100 anos

  1. Sergio Silvestre

    Pois é SMITH,temos aqui nossa revolução particular,sem armas e os cara com cara de paisagem continuam a não perceber o que fazem com nossa democracia.
    Vivemos um estado de torpor,onde parece que tudo é uma miragem,as malas cheias de notas semanais que vão e vem e o pobre trabalhador enebriado com aqueles belos maços que nunca na vida vai ter passam ao vivo e a cores na principal culpada de todas as coisa ,já que a 52 anos estamos todos os dias em frente ela se acostumando com as regras que ela nos ditam.
    Pobre povo muar,que aceita tudo quieto,as vezes até com uma migalha do seu fundo de garantia que eles pensam que te estão doando ,te fazendo um favos te dando aquilo que é seu.

  2. jose

    Silvestre, especialmente para você:
    “JBS mantinha conta na Suíça com R$ 300 milhões em propina do PT
    Dinheiro era gerado por vantagens ilegais obtidas pela JBS no BNDES, durante as administrações de Lula e Dilma; recursos serviram para bancar despesas do ex-presidente e pagar laranjas indicados pelo partido”

  3. Ivan Schmidt

    Não esqueça, Silvestre, que a revolução russa derrubou a monarquia absolutista dos Romanov, a mais absolutista depois dos luíses em França. Quanto aos “pobres trabalhadores” aos quais você se refere na resposta, lá na pátria de Tolstoi, tinham menos direitos que os animais… e assim eram tratados pelos nobres. Não é o caso do Brasil, muito ao contrário, pois aqui se paga salário mensal para mais de 13 milhões de famílias.
    E um adendo: meu sobrenome é SCHMIDT…

  4. Sergio Silvestre

    Tambem Schmidt,se não vai querer que eu escreva igual a você né,só tenho o quarto ano cara,e Shimiti 44 eu gostaria de comprar um rsrsrsrs

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