20:23“Pode baixar!”

Zé Hamilton Ribeiro veio lançar um dos seus livros em Curitiba. Completava 50 anos de jornalismo e uma estudante da área quis ouvir um conselho do veterano. Ele foi perfeito: “Não aprendi nada neste meio século de reportagens – apenas que em todo lugar do mundo a torneira da direita é de água quente e  a da esquerda, fria. Não sei nada, por isso vou atrás para aprender”. Sergio de Souza, mestre reverenciado pelo outro mestre no texto abaixo, criou sem saber um séquito de pessoas que entraram na profissão por determinação ou acaso. Quando dirigiu a redação da revista Placar com sua turma da pesada, um dia enviaram um repórter ainda inseguro para cobrir a final do Campeonato Sul-Americano de Juniores em Assunção. O Brasil jogou contra o dono da casa, Paraguai, no estádio Defensores Del Chaco. Para se ter uma uma noção do poder da seleção dirigida por Jair Pereira, basta dizer que Taffarel era o goleiro e Romário o centroavante. No meio jogava Silas e, por ser boca-dura, Neto era reserva. Daqui do Paraná o representante era Dida, titular da lateral esquerda. Romário fez dois, o Paraguai 1, o repórter e o fotógrafo, experiente, também foram ao hotelzinho onde a festa do vestiário continuou. O trabalho se completou no retorno ao Brasil, pois a dupla voou junto com a delegação. Chegaram à redação em São Paulo no início da noite de uma quinta-feira. As feras esperando para fechar o chamado caderno frio. Sergio de Souza aguardava o material para encher cinco páginas. O foca estava diante do mestre com quem aprendeu lendo a revista Realidade no balcão do boteco do pai, onde trabalhava e nem imaginava entrar no caminho da profissão. Quem não ficaria nervoso? Lauda na máquina e, lá pela meia-noite, a história da conquista, com fichas de todos os jogadores, foram para as mãos do Serjão, como era conhecido. Ele leu pausadamente e, ao final, passou para um editor que estava ao seu lado e disse: “Pode baixar”, ou seja, não era para mexer em nada, apenas dar o título, fazer o “olho” da reportagem e as legendas nas fotos. Nunca mais o repórter viu o grande chefe, que acompanhou sempre nas páginas impressas das publicações da editora Arte&Comunicação, depois de ele ser a alma da Realidade. No meio da madrugada, confessei ao  fotógrafo Sérgio Sade, companheiro daquela jornada, que aquele “pode baixar” tinha sido meu verdadeiro diploma de jornalismo, coisa que nunca tive, apesar dos quatro anos de faculdade. Confessei, presunçoso, que a abertura do texto deve ter feito a cabeça dele, iniciava descrevendo um presente que Taffarel tinha comprado para a namorada e tinha colocado em cima do armário dele no quarto do hotel. Era uma das lições aprendidas com o Sergião e sua turma de grandes repórteres – a de olhar o ambiente, descrever algo que faça o leitor “ver” o que pode ter muito a ver com o que se vai relatar e revelar muito da alma de quem se está entrevistando. No anúncio da morte do jornalista, lembrei mais uma vez daquele momento mágico, o que abria caminho para que a reportagem estivesse à disposição dos leitores em todas as bancas do Brasil. O meu relato. Agora que outro mestre informou que a generosidade do grande Sérgio de Souza o fez morrer na pobreza, a admiração aumentou mais – se é que isso é possível. Porque ele deixou uma riqueza incalculável de ensinamento profissional e de vida.

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