7:21Pensar é preciso

por Célio Heitor Guimarães

Considerações feitas pelo acima assinado na terça-feira, por ocasião do lançamento do livro “Com todo o respeito, Excelências”, no Solar do Rosário:

Não sei para onde estamos indo. Tanto na esfera estadual quanto na nacional. O que sei é que, a cada eleição, as opções se tornam piores. As atuais são lamentáveis. Tristes, falsas, vazias, inconsistentes e desalentadoras, se não arriscadas, inseguras, assustadoras, capazes de levar a perigosos retrocessos políticos e sociais, rachar a sociedade brasileira e desencadear um embate fratricida de consequências imprevisíveis.

Como tantos soldados da liberdade, suportamos os anos sombrios da ditadura militar embalados pela certeza de que aquilo não poderia durar para sempre. O meu pensador favorito, Rubem Alves, citava como exemplo Dietrich Bonhoeffer que, numa das cartas escritas da cela de um campo de concentração nazista, contou que o prisioneiro desconhecido que ali o antecedeu escrevera, na parede, uma mensagem de esperança desesperada:

“Dentro de cem anos tudo isto terá terminado”.

Chico Buarque, companheiro contemporâneo, colega de geração, também nos encheu de fé e estimulou na luta pelo adorável mundo novo: “Apesar de você, amanhã há de ser um novo dia…”.

E o tempo passou. O tempo de horror acabou. E o que foi que nasceu? O mesmo Rubem Alves responde, em nome de todos nós: “Um novo horror”. Em alguns aspectos, pior ainda que o anterior. Um tempo de desilusões, de falsos personagens, de muita patifaria. E, pior de tudo, de um imenso vazio. Segundo Rubem, “noite, sem anúncio de madrugada. Noite sem canções, noite sem sonhos”. E sem sonhos, não há vida, porque povos e países são feitos de sonhos.

Há quem diga que a política poderia ser definida como a arte de administrar os sonhos do povo. O Brasil desmente a tese: aqui os políticos têm por missão acabar com os sonhos do povo.

A administração pública atingiu a situação em que se encontra porque não é mais conduzida por políticos por vocação e sim por políticos por profissão. São os que se pode chamar de políticos profissionais, carreiristas. Que, no mais das vezes, não são administradores, mas homens de negócios. Não têm o menor interesse na administração pública e dela apenas se valem para atingir o poder e, através dele, costurar bons negócios. Para si próprios e seus comparsas. O resultado está aí: conseguiram, pela ganância desmedida, quebrar a maior petrolífera do mundo, símbolo e orgulho dos brasileiros.

Por isso, a população passou a desacreditar dos políticos. Ou a substitui-los por falsos salvadores da pátria, lobos travestidos de cordeiros.

Rubem Alves, já bem antes, em um de seus poucos momentos de amargura, apregoava que, por mais que se esforçasse, não conseguia se lembrar da última vez que ouviu alguma coisa inteligentes da boca de um político, já que, no seu entender, “a marca de uma coisa inteligente é o seu poder para fazer o pensamento voar, abrir horizonte, tornar luminoso o mundo, sugerir alternativas e abrir caminhos novos para o pensamento e para a ação”.

O povo, desgraçadamente, acostumou-se, no correr dos anos, a seguir os falsos profetas, a gostar de mentiras, a conformar-se com ilusões. E é fácil entender por quê? Porque as mentiras, a falsidade e a ilusão são doces. Já a verdade é quase sempre amarga. Por isso, o povo tem sido facilmente enganado, movido pelo poder das imagens e não pelo poder da razão. Aliás, o que os políticos e os administradores públicos menos querem é um povo que pense.

Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus como fundamento da ordem política. Mas Deus foi exilado e o ‘povo’ tomou o seu lugar: “a democracia é o governo do povo”. No entanto, para que a democracia se formalize, é preciso que o povo pense.

Aliás, como advertia Rubem, “é aí que se encontra a fragilidade da democracia: para que ela se realize é preciso que o povo saiba pensar”. Se o povo não souber pensar, votos e eleições não a produzirão. Prova é a presença de tantos ratos na vida pública brasileira. O eleitor parece não haver ainda aprendido a identifica-los. E não sabendo identificá-los no processo eleitoral, inocentemente abre com o seu voto os buracos pelos quais eles entrarão.

Um povo que pensa não vota mais em Lula, em Dilma, em FHC ou em Beto Richa. Não vota também em Aécio, em Alckmin, em Ciro, em Haddad e muito menos em Bolsonaro e assemelhados. E também não vota em Requiões, em Gleisis, em Ratinhos, em Cidas, em Arrudas e em Rosinhas.

Rubem Alves também detestava brados retumbantes como “o povo unido jamais será vencido”. Sentia arrepios ao ouvi-los, porque isso lhe remetia à época tenebrosa do “Ame-o ou deixe-o!” da ditadura militar. Por experiência de vida, sabia que a vontade do povo nem sempre é a mais confiável. E citava o exemplo de Hitler, alçado ao poder pela vontade da população alemã, como poderia ter citado o de Chávez, o de Maduro ou o dos irmãos Castro e de tantos outros ditadores da esquerda ou da direita.

Vivemos hoje no Brasil dias de tormento e desesperança. Não se consegue enxergar um porvir nítido. O horizonte é opaco. Estamos todos a bordo de uma nau desgovernada e sem rumo, com um capitão frágil e incompetente e a marujada desorientada. Os que se propõem a assumir o leme não merecem confiança, geram muito pouca esperança, para não dizer nenhuma.

Só nos resta ter em mente uma derradeira lição do meu saudoso Rubem Alves, fonte de inspiração para muitos textos que compõem este livro:

“Perdida uma esperança, outra nasce em seu lugar. Como o capim que brota sob a primeira chuva, depois da devastação da queimada…”

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