por Fernando Muniz
Chega à praça principal e começa a fazer exercícios de respiração. Isso sempre o acalmou. De short curto, arames em volta do corpo e graxa nos braços e pernas, começa a se contorcer.
Move-se com alguma espécie de cadência, mas logo ganha confiança e passa a se esticar, como se tentasse tocar o céu, a baixar e levantar os braços, a ficar de joelhos, dar dois passos para frente e dois para trás, para um lado e para o outro, em diversas sequências, nunca repetidas. E repete frases um tanto desconexas, que poderiam formar um poema.
Dois guardas municipais se aproximam. Olham um para o outro, cismados. “Que porra é essa, maluco?!” Prestam atenção ao rapaz, cujas contorções são assistidas por quatro ou cinco pessoas.
Um dos guardas resolve fazer um telefonema.
Dali a uns quinze minutos, enquanto o rapaz se agita mais e mais e suas frases começam a deixar o pessoal do ponto de ônibus apreensivo, dois socorristas do SAMU apresentam-se aos guardas.
“É esse cara aí?”
“É”.
“Coitado. Tá juntando gente, até”. Aproximam-se do rapaz, um pela frente e outro por trás; ele, concentrado em seus movimentos, não se dá conta. A plateia olha para os socorristas com cara de espanto.
Têm dificuldade em agarrar o rapaz, por conta do arame no corpo dele.
“Ei, o que é isso?!”
“Calma, calma, estamos aqui para te ajudar”.
“Mas ajudar em quê?!”
“Fica frio que vamos cuidar de você”.
Os guardas civis aproveitam e partem para cima da plateia. “Bora pessoal, o show acabou”.
“Mas como assim? Isso é absurdo! Que arbitrariedade! Fascismo! Deixa ele se expressar!” – a plateia esboça o seu desagrado.
“Vocês não têm vergonha na cara não?! Tirar sarro de uma pessoa com doença? Tão esperando o quê, ele ficar pelado? Pra casa agora, senão vai todo mundo pra delegacia!”
Os socorristas tentam levar o rapaz à ambulância. Ele resiste. “Peraí, vocês não estão entendendo! É uma per-for-man-ce, tá ligado? Tenho autorização!”
“Vai ser mais difícil do que imaginamos”. Chamam o motorista da ambulância; um estivador, na prática. Que dá um pescoção no rapaz e o prega na maca.
“Pronto. Pode ´aderribá´ o nóia”. O médico plantonista, que permaneceu na ambulância todo esse tempo em um tédio mortal, não pensa duas vezes e aplica uma dose dupla de sedativo. O rapaz apaga, de ficar com a língua de fora. Lançam um lençol sobre ele.
Os guardas municipais entregam ao plantonista uma bolsa, com uns folders e mudas de roupa. Ele encontra documentos. “Bom, desta vez pelo menos vai dar pra preencher os formulários”.
No hospital de clínicas jogam o rapaz em uma cama de campanha, inerte, e ele fica ali, juntando moscas, à espera de uma vaga na enfermaria.
A médica chefe da ala psiquiátrica colhe o depoimento da equipe. Todos satisfeitos em dar informações precisas a respeito da ocorrência.
Um dos socorristas deixa a bolsa do rapaz cair no chão. Ao juntar as coisas, o desastrado encontra um papel com timbre da prefeitura.
Ela apanha o documento. Após a leitura, vira-se para eles. Incrédula.