6:55O Suriname existe

Ilustração de Theo Szczepanski

de Rogério Pereira

— Pra onde você vai?

— Vou pro Suriname, filho.

— Lá é legal, pai?

— Não sei.

— Por que você vai pra lá?

— Também não sei, filha.

— Mas você vai mesmo?

— Vou.

— Por quê?

— Às vezes, é preciso ir pra algum lugar.

— Por que esse tal de Suriname, pai?

— Não sei, filho.

— O que tem lá?

— Acho que tem pouca coisa.

— Então, deve ser bem chato.

— Sei que tem um travesti no Suriname.

— O que é um travesti, pai?

— É um homem que gostaria de ser mulher. Ou uma mulher que não deu muito certo.

— O Suriname é muito longe?

— É bem longe.

— Então, vai demorar pra chegar.

— Mas preciso ir.

— Por quê, pai?

— Não sei, filho. Acho que já deveria ter ido antes.

— Você não gosta mais da gente?

— Isso não tem nada a ver com vocês dois. É uma coisa minha. Eu gosto de vocês.

— Então, não vai pro Suriname.

— Eu preciso ir.

— Por quê, pai?

— Não sei, filho.

— Mas você vai voltar?

— Sim, eu voltarei. É sempre necessário voltar. Não dá para fugir o tempo todo.

— Você está fugindo, pai?

— Acho que estou.

— De quem você está fugindo?

— Não sei, filha. Mas estou fugindo.

— Você vai beber no Suriname, pai?

— Não. Eu nunca mais vou beber em lugar algum.

— Você não gosta mais.

— Gosto, mas não posso.

— Você vai levar a gente pro Suriname depois?

— Acho que sim. Vocês também vão conhecer o Suriname.

— Quando, pai?

— Não sei, filho.

— Quando você vai?

— Eu vou agora. Estou indo.

— Onde fica o Suriname, pai?

— Não sei muito bem. Acho que fica dentro da gente.

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