9:38O STF fala demais e cala demais

por Elio Gaspari

Mais uma crise: o governo acionou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para xeretar a vida do ministro Edson Fachin, do STF. Como Michel Temer, ele teria voado num jatinho da JBS.

De bate-pronto, a ministra Cármen Lúcia disse que “é inadmissível a prática de gravíssimo crime contra o Supremo Tribunal Federal, contra a democracia e contra as liberdades, se confirmada a informação de devassa ilegal de um dos seus integrantes.”

O procurador-geral Rodrigo Janot acrescentou: “Não quero acreditar que isso tenha acontecido. Usar um órgão de inteligência do Estado de forma espúria para investigar um dos Poderes da República (…) é a institucionalidade de um Estado policial, de um Estado de exceção.”

O ministro Gilmar Mendes emendou: “A tentativa de intimidação de qualquer membro do Judiciário, seja por parte de órgãos do governo, seja por parte do Ministério Público, ou da Polícia Federal, é lamentável e deve ser veementemente combatida.”

Faltou ouvir Sérgio Porto, o genial criador do politicamente incorreto “Samba do Crioulo Doido”:

“Joaquim José

Que também é

Da Silva Xavier

Queria ser dono do mundo

E se elegeu Pedro II”.

O crioulo do samba disse besteira, mas foi afirmativo. Cármen Lúcia, Rodrigo Janot e Gilmar Mendes não disseram nada, e sabiam disso. A ministra enxertou uma pegadinha: “se confirmada”. Janot pôs a sua: “não quero acreditar”. Gilmar foi veementemente genérico. (Três dias depois, Cármen Lúcia fez outra nota, retificando a primeira, mas o estrago estava feito.)

A crise política está de um tamanho que ninguém perderia nada se esperasse ao menos 48 horas para opinar a respeito de mais uma notícia estarrecedora.

Como o Planalto já disse que Temer não voou na Air JBS e era mentira, tudo pode acontecer no seu bunker tabajara. O envolvimento formal da Abin numa operação desse tipo seria impossível, pois deixaria rastro. Vai daí, o governo sempre poderá desmentir a conexão. Já uma ação de colaboradores teoricamente avulsos produziria o efeito desejado, sem os riscos legais e ninguém poderia dizer que era coisa da Abin.

Essa é uma ideia que sempre está ao alcance de um cacique tabajara. Afinal, formalmente, o SNI, ancestral da Abin, nunca reconheceu ter fotografado deputado em motel nem bispo atracado em cinema. Esse truque livra a cara da agência mas deixa a de Temer na vitrine (Fachin bem que poderia esclarecer se voou na Air JBS. Numa época em que seus pares falam demais, ele está falando de menos).

A nova crise abalou ainda mais a fragilizada figura de Temer, esquentou o fim de semana mas, com o que há na panela, marcha em direção ao nada porque parte do quase nada.

A novidade do episódio está na sua velhice. Em agosto de 2008 abriu-se uma crise porque foi revelado que a Abin havia grampeado uma conversa telefônica do então presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, com um senador goiano. Ao contrário do que sucede hoje, a denúncia tinha algum amparo factual, pois existia a transcrição do telefonema. Apocalíptico, o ministro anunciou que o país vivia “um quadro preocupante de crise institucional”. Havia a ameaça de um “Estado policialesco”.

A denúncia foi investigada e ao fim de dez meses concluiu-se que nada se podia concluir, pois havia uma transcrição, mas faltava o áudio.

Em 2009, enquanto uma equipe da Polícia Federal tentava desvendar o caso da conversa de Gilmar Mendes, outra ouvia, com autorização judicial, o aparelho Nextel anti-grampo do senador Demóstenes Torres, seu interlocutor. Ele operava favores e mimos com o contraventor Carlinhos Cachoeira e teve seu mandato cassado em 2012.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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2 ideias sobre “O STF fala demais e cala demais

  1. roskalnikov

    Afinal seu Fachin vc voou ou não voou nas asas do jatinho dos donos da JBS? E mais junto com o sr Saud
    que é o operador da tentativa de golpe junto com a globo……mal explicado essa história ….

  2. juca

    Vamos comparar nosso Supremo com outros países. Nos Estados Unidos, os juízes da Suprema Corte no máximo uma ou duas vezes no anos se manifestam publicamente, idem na França, Alemanha e por aí vai.
    A mesma postura tem os procuradores das repúblicas.
    Aqui todos os dias os juízes do Supremo e Procurador dão entrevistas, blogs, twiter, radio tv, programas humorísticos e assim por diante.
    Então a impressão que fica é de que há uma disputa por “Ibope” entre todos os poderes, seja no caso da PF, PGR e STF, a cada momento um quer dar mais informações ou furos de reportagens do que o outro. Vá ter ciumeira assim lá em”caixa prego” PQP.
    O povo merece informações, mas a coisa está demais todo momento as notícias são as mesmas.

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