18:15O reconhecimento da democracia

por Mario Vargas Llosa

… Foi uma etapa importante da minha vida: o reconhecimento da democracia, aceitar que a democracia não era a máscara da exploração, como eu tinha acreditado e como acreditavam os socialistas latino-americanos da época.

A democracia partia do pressuposto de que não se podia criar o paraíso nesta terra em termos sociais, de que a perfeição não era deste mundo, mas, sim, de que era possível criar sociedades aperfeiçoáveis, sociedades capazes de reconhecer seus erros, de corrigi-los, de refazer o caminho se o caminho estivesse equivocado, de encaminhar a sociedade para outra direção. Sobretudo, a democracia permitia a coexistência na diversidade e era a melhor maneira de atacar a violência que havia acompanhado a história humana, como uma sombra, desde o princípio da história até o presente.

A etapa seguinte da minha formação política ocorreu quando eu estava morando na Inglaterra e comecei a ler os grandes pensadores liberais. O primeiro deles foi Isaiah Berlin.

Ao contrário do que se pensa, sobretudo na América Latina, onde há uma grande caricaturização do pensamento liberal, considerado um pensamento reduzido exclusivamente à liberdade dos mercados, Isaiah Berlin mostra que não, que o liberalismo consiste fundamentalmente em ideias e valores. Que a liberdade é algo indivisível, que a liberdade não pode ser aplicada no campo econômico sem ser aplicada no campo político, que precisa ser algo que opere simultaneamente no campo político, no campo econômico, no campo cultural, no campo social, no campo individual, e que o verdadeiro progresso é ter cada vez mais opções para escolher entre diferentes possibilidades em todos os campos da vida humana, e que esse é o verdadeiro progresso, e que isso é o que representa, fundamentalmente, a ideia liberal.

Talvez depois de Isaiah Berlin, entre os escritores liberais que li, devo citar Karl Popper. Popper escreve um livro — e creio que é um dos livros mais importantes do século 20 — chamado A sociedade aberta e seus inimigos. Assim como Isaiah Berlin, ele faz um esforço de compreensão sobre as origens do fenômeno do nazismo. Dedica muitos anos a escrever esse livro seminal. Faz com que o pensamento totalitário parta de Platão, considerado o maior filósofo de seu tempo e fonte, digamos, de boa parte do que é o pensamento filosófico ocidental.

Karl Popper afirma: na República, Platão tratou de organizar a sociedade perfeita, praticamente eliminando, assim, a liberdade. Nessa sociedade perfeita, cada indivíduo terá uma função determinada para que tudo funcione de uma maneira absolutamente regulada, garantindo não somente a existência material e o bem-estar, como também a educação e a formação do cidadão. Ele diz: essa ideia, que está por trás do anseio de trazer o paraíso à terra, só pode se materializar através de uma violência monstruosa.

Por quê? Porque nós, seres humanos, não somos iguais. Aquilo que causa felicidade a um ser humano pode causar sofrimento a outro. Aquilo que causa bem-estar a um ser humano pode ser visto por outro com grande repugnância. Assim, querer estabelecer uma espécie de norma válida para todos, da mesma maneira, significa introduzir uma violência, uma coerção espantosa numa sociedade onde o que existe é uma extraordinária diversidade no modo de ser, no modo de viver, no modo de pensar, no modo de entender a beleza, de entender as relações humanas. E ele mostra como todas as filosofias que trataram de organizar a vida do berço ao túmulo são filosofias, são ideologias que criaram os piores infernos da história da humanidade.

*Do livro 21 ideias do Fronteiras do Pensamento para compreender o mundo atual

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