6:51O FRACASSO DO HERÓI E A DOR DE QUEM O QUER

Do blog Aphinsofia

Todo herói é um fantasma de si mesmo, alimentado pela dor de seus desejantes, os que lhe querem herói. O herói nasce em si por uma negação de si mesmo. O homem que se quer herói cria um duplo de si, porque não suporta ser ontologicamente ele mesmo. Pode-se dizer que ele é um covarde existencial. Recorre ao subterfúgio. Desta forma, ele é uma existência malograda, como diria o filósofo Sartre. Mas como ele não pode suportar o malogro, ele passa a viver seu duplo como fantasia salvadora. Esse duplo é o herói para o outro que por sua vez também não pode autenticar sua existência. Outro malogro ontológico. Forma-se então a simbiose. O herói como duplo, fantasia de si mesmo, satisfaz o herói do outro. O simulacro da duplicação.

A lógica da fuga tanto do herói como do outro que o heroiciza, é simples. O herói se alimenta do que o outro diz e pede dele. O outro, que precisa do herói, se alimenta do que ele lhe oferece. Mais é aí que essa simplicidade é terrivelmente implacável para ambos. Para satisfazer o outro o herói cria um personagem para si que ao invés de lhe confortar faz de sua existência um tormento, porque o herói nem é ele e nem é essa representação. O herói é uma insuportável nadificação. E essa nadificação é o tormento do outro que precisa de herói. Mas que por ironia, lhe gratifica. De vazio.

Para um fácil entendimento, basta compreender que todo homem que se quer herói tem um grande pavor da existência, quase sempre herdada como culpa transferida por seus país. Uma obra do inconsciente psicótico dos adultos que a criança luta para escapar, como dizem os filósofos Deleuze e Guattari. O que “precisa de herói” também teme a existência, por isso ele nomeia alguém como seu herói para realizar seus anseios fóbicos. Ele também quando criança lutou para escapar dos pais, mas não conseguiu. Daí sua inautenticidade ontológica.

E como já foi entendido, tanto o homem como herói duplicado para outro, assim como o outro que absorve a duplicação, jamais se encontram, visto que convivem com fantasma. Daí que todas as faculdades humanas que são produtoras de existências reais ontologicamente, serem capturadas pelo fantasma impedindo que elas se manifestem no herói e no outro. Cognição, imaginação, memória, sentido, sexo, todas são perturbadas por essa aliança fantasmagórica.

Como a heroicização  é uma falha ontológica, corre que alguns períodos da história são eficientes em servir como berço do herói. Por isso existem heróis em quase todas as culturas e de todos os matizes. Onde houver o medo e existência anemizada, lá está o herói. Em sociedades pobres de espírito, principalmente, é comum surgir um herói. Bastou a vontade e o instinto coletivo arrefecer, lá aparece o herói.

É por isso que Brecht, através de seu Galileu, diz, “pobre do povo que precisa de herói”. É que ele sabe, que quando um povo precisa de herói é porque ele ainda é escravo da tirania do medo e da ignorância. É um povo que ainda não construiu sua obra beatífica: a liberdade. E sob o julgo do herói, esse povo jamais será livre, visto que o próprio herói é um escravo.

Como Andreas, embora auxiliar de Galileu, não entende essa potência beatífica, ele, o exorta, dizendo, “pobre do povo que não tem herói”. Andreas não sabe que a liberdade é uma produção coletiva, uma multitudo poeticamente criadora da democracia.

Portanto, todo aquele que precisa de herói não sabe que “o herói não “libera” os acontecimentos nem as forças históricas, nem constrói uma história. Encadeia as figuras do mito e da lenda; é por isso que nem a Revolução nem a Democracia têm necessidade de um herói”, como afirma o filósofo Baudrillard.

 

 

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