18:16O Espetáculo

por Fernando Muniz

O camarim é comum, um tanto ultrapassado, com três lâmpadas queimadas. No canto direito uma foto da sua primeira apresentação, que a acompanha feito amuleto. Pouco mais que uma menina, sorriso ingênuo e pele fresca, em uma fantasia de concubina das mil e uma noites.

Maquiagens não faltam, mas prefere os seus batons aos oferecidos pela produção. Trazem tranquilidade e segurança antes de enfrentar o palco; sua armadura, seu escudo, com eles corre atrás de moinhos e enfrenta qualquer plateia.

Não que precise de proteção; atuar é parte da sua vida, tal qual respirar. Já atuou sem roupa, de cara limpa e sob quilos de panos, em dramas, comédias ou experimentalismos sem enredo ou personagens. Dúzias de prêmios e o reconhecimento da crítica mais renhida. Tudo há muito tempo.

Coloca o figurino, retoca o rosto e tenta esconder as rugas. Sai em busca da plateia, minúscula, duas ou três pessoas em meio à penumbra, pensando que irão ver sexo barato, talvez. Mas isso não a abala. Há muito não enfrenta o palco pelos aplausos. Nem se lembra, aliás, por que atua.

Lembra-se da sua foto no camarim, em meio à decadência do lugar. Suspira fundo. Abre-se a cortina; silêncio de túmulo.

Pouco importa. Vai em frente com a cena de abertura mesmo assim. Quer viver o mesmo que naquela primeira peça, quando sequer conhecia os segredos do mundo e dos homens.

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