6:23No Túnel

por Fernando Muniz 

“É a sua vez”. Por instinto ele fecha as mãos, tornadas punhos, embora nada do que está prestes a enfrentar seja desconhecido. Repassou cada passo do procedimento com seu médico, nos mínimos detalhes. A enfermeira o chama novamente, impaciente com a demora, que toma por hesitação.

A esposa o acompanha pelos corredores até a antessala do centro cirúrgico. Nervosa, busca as mãos dele. “Nossa, estão frias!” Ela lhe dá um abraço; sensação boa. “Sairemos dessa juntos. E fortes. Você vai ver!”. Ele sente um arrepio. Aquela conversa parece uma despedida.

Na antessala, gelada apesar de já ser outubro, a enfermeira pergunta pelos exames. “Estão todos aqui?”. A esposa se apressa: “Achamos que sim”. A enfermeira revira os papéis, mecânica, impaciente. E suspira. “Os de sangue não estão…”. “O paciente se incomoda. “E agora?”. Pensa no que fazer. “Agora? Espero que não sejam necessários”. Mais um arrepio. “Posso pedir para trazerem, estão no meu escritório, aqui perto”. A enfermeira dá a inspeção por terminada. “Não dá mais tempo. Por favor, coloque a bata. Volto em cinco minutos”.

A esposa o ajuda com as roupas. Ele se vê no espelho; agora sim, parece um paciente. Caminham lado a lado até a porta do centro cirúrgico. O frio continua a persegui-los. Ele tenta parecer forte, afinal de contas tem o melhor da ciência a seu dispor e os exames pré-cirúrgicos soam promissores. “Até daqui a pouco!”. A enfermeira se afasta, em busca do próximo paciente, deixando-os sós. O paciente tenta combater uma sensação de desamparo; enche o peito de ar e expira, como se estivesse prestes a mergulhar em uma piscina.

“Bom dia! Vamos lá? A minha equipe já está à nossa espera. Passou bem a noite?” O paciente acena com a cabeça, com um ar incerto, à última pergunta do médico. Que continua a falar, sem que ele preste atenção.

Caminham pelo centro cirúrgico, sala após sala com seus médicos, enfermeiros e aparelhos lutando contra o curso da natureza, indiferente a súplicas ou apelos. Numa das salas percebe uma freira e um padre; talvez seja ilusão de ótica.

O corredor, verde escuro, aos poucos fica opaco. Ele deixa de se incomodar com o que acontece nas salas. E chegam à sua.

Antes de entrar vira-se para trás e enxerga uma luz, talvez do corredor que antecede o centro cirúrgico, bem longe. Pouco importa; agarra-se a ela ao tomar assento na mesa de cirurgia, como nunca fizera com nada na vida, embora tenha sobre si um foco de luz branca, que machuca os olhos e, ao seu redor, quase uma dúzia de homens azuis, a lhe prometer o melhor, apesar de se esconderem atrás de máscaras e luvas de borracha.

E permanece ali, enredado por fios elétricos e cateteres, com aquela luz tênue na memória até a anestesia geral, envolta em sua capa negra, subir pelas veias.

Apagando tudo.

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