7:32Nem tudo não se resolve na bala

por Célio Heitor Guimarães

A recente criação do Ministério da Segurança Pública, assanhou a sempre atuante Bancada da Bala do Congresso Nacional. No momento, cogita-se a controversa revisão do Estatuto do Desarmamento, que restringe o comércio e o porte de armas no Brasil desde 2003. A ideia é flexibilizar uma série de itens para facilitar a posse de armas, que vão desde diminuir a idade mínima para a aquisição de uma arma e conceder mais licenças, até eliminar a necessidade de comprovação de efetiva necessidade da arma. O que a turma quer, fomentada pela indústria bélica, é chegar ao estágio dos EUA, onde se compra pistola e munição pelo correio ou na lanchonete da esquina. E depois se vai a uma escola ou a uma igreja desencadear um novo massacre.

Sempre que o tema volta à ordem do dia, manifesto-me contra. E sou incompreendido até por amigos muito queridos. Dizem-se inseguros e juram precisar de armas para se proteger. Quer dizer: todo mundo armado, mas se borrando de medo!

Em outubro de 2005, após o resultado da consulta popular, em que a indústria armamentista e seus lobistas derrotaram o bom-senso nacional, escrevi para O Estado do Paraná uma coluna que intitulei “Livre para atirar” e na qual dizia:

“Compramos as nossas arminhas e a nossa munição, que nos serão facilmente subtraídas pelos meliantes, para depois assaltar-nos, sequestrar-nos e matar-nos com as nossas próprias pistolas. Quando isso não acontece, serão as nossas crianças que, no recesso dos bem guardados lares, encontrarão nossos revólveres no esconderijo tido como inescrutável. Daí para uma tragédia doméstica será menos de um passo, como se sabe.

“Com todo o respeito, meus prezados, deixemos de hipocrisia! O cidadão, os membros da patuleia, o sujeito comum, que trabalha, estuda e segue o seu caminho, não sabe usar armas. Nem quer saber. Acha que combater o crime é coisa da polícia. E, para tanto, elege os governantes e paga impostos. Tem direito à segurança e deve exigi-la.

“Posso estar sendo um tolo. Mas, com certeza, não será armando todo mundo que resolveremos o problema da criminalidade. Já vi muita desgraça irreparável nascida de um momento de emoção ou de um gole a mais de pinga após a missa dominical. Bastou haver uma arma ao alcance da mão.

“Os que lutam pela vida não tiveram êxito no referendo de domingo passado. Mas, pessoalmente, não me sinto derrotado. Fiz a minha parte. Na esperança de que, no futuro de meus netos, as cidades brasileiras não sejam transformadas em Dodge City ou Tombstone e os cidadãos obrigados a formar ao lado de Wyatt Earp, Matt Dillon e Doc Holliday ou de Jesse James, Billy the Kid e dos irmãos Dalton. Com direito a acerto de contas no OK Curral.

“Este filme nós já vimos. E sabemos que todo mundo morre no final”.

Outro dia, recebi com grande alegria um apoio importante, do sociólogo argentino Julio Jacobo Waiselfisz, hoje vivendo no Recife, onde é coordenador da Flacso – Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e desde os anos 90 pesquisa a violência no Brasil.

Em entrevista ao site UOL, Waiselficz foi taxativo: “Há uma estratégia de mercado, das grandes organizações de fabricantes de armas de fogo, que difunde o mito de que arma de fogo protege. Há estudos de organizações sérias, como, por exemplo, a Rand Corporation, que chegam à conclusão de que o indivíduo comum que sai à rua armado tem 60%, 70% mais chances de morrer em caso de conflito”.

E explica, com clareza, os motivos: “Primeiro, o cidadão honesto que sai armado à rua não sabe manejar muito bem uma arma de fogo. Não é especialista em armas. Segundo, ele leva arma no coldre. No tempo em que ele demora para abrir o casaco e tirar a arma, ele já foi morto cinco vezes por um malandro, que chega de arma em punho”.

Vai além: “Arma de fogo foi feita para matar, não foi feita para outra coisa. Foi feita exclusivamente para matar e para isso é utilizada. Há um mito de que quem tem arma de fogo se defende, mas na verdade tem muito mais chances de morrer”.

Julio Jacobo aponta a falta de políticas públicas destinadas a reduzir a violência no Brasil. “Em 30 anos, triplicamos a taxa de homicídios no Brasil” – destaca. E afirma que não será reduzindo a maioridade penal que o problema será resolvido. Segundo ele, a questão é de educação, de controles sociais, de como criamos uma consciência na cidadania de comportamento social.

A recente desgraça da Florida, EUA, na qual 17 alunos e funcionários foram baleados e mortos, teve a virtude de incendiar o debate e expandir boa parte da consciência norte-americana para a necessidade de maior controle sobre o armamento da população. Os alunos da escola Marjory Stoneman Douglas de Parkland, na Flórida, emergiram como os novos rostos do movimento. No entanto, a luta se afigura desde já inglória em um país capaz de eleger Donald Trump presidente e da boca desse extraordinário líder sair que a solução para o problema será armar também os professores.

Os EUA nunca foram um bom exemplo para o Brasil. Lá, desde os tempos da conquista do velho oeste, tudo se resolve na bala. E o resultado temos visto qual é.

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5 ideias sobre “Nem tudo não se resolve na bala

  1. Sérgio Augusto

    Com todo respeito à opinião do articulista: aprendi com a vida rea que quando a vítima está armada, o predador dorme com fome! A proibição ao acesso às armas em nosso país faz com que apenas os vagabundos possam portar armas. Alem das forças policiais e armadas, é claro…

  2. jose

    Célio, acho que há um ponto a esclarecer, me parece que desarmamentista você não é; você apenas prefere que armas de fogo fiquem nas mãos de quem pode (Estado – Polícia) ou na mão de quem sabe usar (bandidos sabem usar). É isto ou entendi errado?
    No restante é a mesma coisa de sempre, de séculos: melhorar a educação, controles sociais, etc. o que nos últimos trinta anos só piorou e não há mostras de que vá melhorar nos próximos cinco anos.
    A propósito, quanto ao último massacre nos EUA: armas são proibidas nas escolas lá.
    Por último, pelo que entendi, não se está liberando o porte de armas e sim a sua posse. Por exemplo, na área rural infelizmente é uma necessidade nos dias atuais, onde bandidos entram sem a menor preocupação a qualquer hora porque sabem que ninguém vai reagir.

  3. Fausto Thomaz

    É isso ai Sérgio, e eu vou além…..para mim bandido bom é bandido morto….e ponto final

  4. Célio Heitor Guimarães

    Infelizmente, os nobres leitores não entenderam o que eu escrevi. Ou não quiseram entender. Aiô, Silver!

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