16:10Lembranças

por Fernando Muniz 

        A barba branca e a rapidez com que circula entre as lápides mostra ser longo o tempo que o traz até ali. Longe das alamedas mais vistosas e seus generais, políticos e senhoras distintas, ele para junto às covas de quem não possui nome ou registro, rente ao muro dos fundos, sob um sol de janeiro, sem nuvens.

Avô, pai, tio, neto, filho ou marido, pouco importa; estende os braços e começa a murmurar uma reza, sem lágrimas ou gestos bruscos, de costas para o mundo, junto àquele túmulo sem lápide. Prece automática, aprendida não lembra mais onde, carregada de palavras solenes. Feita para ser atendida; é o que espera.

Encosta-se ao muro. O suor se mistura à argamassa desprendida dos tijolos e marca a sua testa, queimando-a. Tal qual memória, companheira naquela manhã sem brisa.

Termina o ritual, apanha uma flor murcha e a coloca sobre o túmulo que imagina ser o certo. Continuará a vir, enquanto puder. Como seus antepassados faziam. Como fariam quem partiu antes dele.

Se não vier, deixarão de existir. Ele também.

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