10:49Imaculada*

por Fernando Muniz

Pergunta à namoradinha como funciona, se dói, se atrapalha. Deseja muito saber. Na verdade, quer mesmo é ver acontecendo.

– Mostra para mim? Mostra!

A garota fica um tanto perturbada com tanta insistência. Mas cede. Afinal, o ama. Acha que sim, ao menos.

– Tá bom. Mas não aqui. Não tem tranca na porta! Saem do quarto, rumo à sala de estar daquela casa enorme, bem quietos, com receio de que o piso de madeira os denuncie.

Chaveiam a porta do lavabo. Ela fica em pé, à sua frente. Ele pede para ela tirar a roupa, mas não, ela tem medo de alguém chegar bem naquela hora. Mas tira a calcinha, a meia e os sapatos.

Ele aceita; bom menino. De família ordeira como ela, só tira as melhores notas na escola. Orgulho para os pais; cabelo cortado rente à nuca, do tipo que dá bom-dia aos mais velhos e atravessa velhinhas no sinal. Um puro, todos dizem.

Não pensam no que estão a fazer. Afinal de contas é um ciclo da natureza, coisa mais natural do mundo. A mocinha, sem qualquer vergonha, deixa-se admirar pelo amado. Ali, contrito, como se estivesse a rezar.

O sangue faz um filete pelas coxas, joelhos, pés e, dali, para o chão. Forma uma pequena mancha no ladrilho branco, tão casto. Ele não aguenta e se ajoelha ante a cena, maravilhado com o mistério que se revela.

Ato reflexo busca limpá-la. Quer recompô-la, devolver a sua inocência virginal, santificada.

Com a língua.

* Inspirado em passagem do livro “O Animal Agonizante”, de Philip Roth.

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