19:45HORÓSCOPO

por Zé da Silva

Capricórnio

O que estaria pensando aquele ser todo entortado, quase nu, sentado na cadeira de rodas e parado na esquina da avenida entupida de automóveis? A noite caiu como pedra e um outro ser, com a alma entortada, parou sob a luz vermelha e ficou olhando pelo retrovisor a imagem ali perto. A cabeça estava enfiada no peito, uma perna esticada tinha um saco de papel como sapato. Ele estava imóvel. O outro também, dentro do carro confortável, bancos de couro, ar condicionado, som estereofônico, João Gilberto cantando Brasil Pandeiro. Ele queria ver os olhos do outro. Para ler. Para saber se as dores eram iguais. Pouco antes do verde aparecer e empurrar todos para frente, para o nada, o do carro começou a chorar. Se imaginou o outro, que em alguns momentos deveria recolher algumas moedas (para que?), e se recolheria para o barraco ao lado do rio fétido. Amou um dia? Se apaixonou por alguém que jamais pensaria em ter algo com ele? As pedras seriam um caminho para aliviar a faca rasgando o coração da alma sempre, sempre e sempre? Alguém buzinou. Ele pisou no acelerador e o carro deslizou. Então ele viu um rapaz jovem, maltrapilho, negro, no canteiro largo. E ele tinha um sorriso que iluminava o universo. Estou vivo, ele pensou, ao mesmo tempo em que ouvia palmas no fim da música. Brasil. Pandeiro.

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