19:22HORÓSCOPO

por Zé da Silva

Capricórnio

Tomava banho de três horas. No mínimo. Nunca soube como começou isso. Não era neura de limpeza. Gostava mesmo de ficar embaixo do chuveiro. Porque ali – e só ali, conseguia pensar. Na vida. Um dia lhe veio a lembrança, junto com a água, do banheiro em que se banhava quando criança. Era fora de casa, no quintal de piso áspero. Não havia chuveiro. Retirava-se água do poço que ficava bem em frente, colocava-se no balde e o banho era na base da caneca de alumínio. O banheiro era minúsculo. Para erguer o braço com a canequinha e a água preciosa era uma dificuldade. O vaso sanitário ali no meio atrapalhava. Às vezes era melhor tomar banho sentado. Um dia, ao sair dali, tropeçou e bateu forte com a cabeça no chão. Nunca esqueceu a dor e também o fato de ter de tomar outro banho em seguida, repetindo o ritual cansativo. Agora ele tomava banho de três horas – no mínimo. E pensava na vida como se ela fosse apenas uma adereço daquele momento sublime. Para ele não importava a conta da luz, os apelos dos ecologistas preocupados com o gasto excessivo água. Porque aquilo o fazia sobreviver. Porque aquilo o fazia se sentir integrado no mundo louco dos homens que viviam no seco – e muitos sem tomar banho. Desenvolveu então a teoria de que até os corruptos protegidos pelo poder poderiam melhorar se tomassem banhos como o dele, longos. Limpariam a alma das impurezas, pensava. No dia em que desenvolvia ainda mais a teoria, ouviu um estrondo e um curto circuito fez o fogo se alastrar pelas fiações e dar início a um incêndio. Os bombeiros chegaram. Ele foi retirado com vida. Os soldados não entenderam porque não queria sair do box do banheiro. Ao ser levado na maca, um pouco intoxicado, ainda teve tempo de ver os jatos fortes de água saindo das mangueiras para apagar as labaredas da casa. Achou ter encontrado uma melhor solução para os canalhas. Banho coletivo em praça pública.

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