17:35HOJE A CLÍNICA DO DOUTOR RENAN

clinica

 

SIMÃO BACAMARTE concluiu com brilho e louvor os estudos médicos em Portugal. Em vão os apelos da corte de D. João V para que lá permanecesse, cargos e prebendas em aberto. Preferiu Itaguaí, na futura província do Rio de Janeiro, onde se estabeleceu como clínico de doenças mentais – tratava de loucos, ou alienados, daí ficar conhecido como ‘alienista’, retratado no conto clássico de Machado de Assis.

A aura de gênio deu poder e influência ao alienista na pequena Itaguaí. Logo obteve generoso subsídio da câmara municipal para instalar a Casa Verde, sua clínica de doentes mentais. Os vereadores deram a Bacamarte passe livre para arrebanhar e internar toda e qualquer pessoa que, a juízo do alienista, estivesse alienada. Juízo discricionário, com tintas científicas que ninguém entendia, desde o padre latinista ao barbeiro analfabeto.

O médico internava a quem lhe dava na telha, desde o presidente da câmara à própria mulher, a recatada dona Evarista, cuja doença consistiu em ficar vaidosa com os vestidos que comprara no Rio em viagem estimulada pelo marido. Logo meia Itaguaí estava na Casa Verde, diagnósticos e doenças mentais variadas. Uma revolta popular com vítimas sacudiu cidade e hospício, mas tudo se acalmou e o médico voltou a ver loucos nos até então sãos de cabeça.

Um dia Simão Bacamarte apresenta arrazoado à câmara. Pede renovação dos subsídios e anuncia nova metodologia científica: iria liberar os internados, pois chegara à conclusão que loucos eram os que agiam como sãos, não aqueles nos quais diagnosticara doenças mentais. A câmara aprovou o subsídio com ressalva: nenhum vereador seria internado, nem que coubesse na nova metodologia.

O alienista aceitou a ressalva da câmara, mas não se apoquentou. Conhecia o suficiente dos políticos para não se assustar com a regra em causa própria. Inclusive testou o vigor dos edis ao recolher à Casa Verde exato o único vereador que, em arroubo de sanidade, contestou o absurdo da metodologia proposta por Simão Bacamarte. A câmara, como previu, não só aceitou o internamento do colega como renovou a verba para o hospício. 

(ROGÉRIO DISTÉFANO)

Compartilhe

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.