9:01Fragmentos

por Fernando Muniz 

Quando trocaram o sítio pela capital queriam uma vida melhor, sem aquela ignorância toda e falta de perspectivas.

O início foi duro, com muitos dias sem ter o que dar aos dois filhinhos. Pelo menos estão na escola, a moça reflete sem muita convicção, enquanto caminha do templo para casa.

O sonho de vencer ficou distante e, a certa altura, qualquer emprego que aparecesse servia. Até num bordel.

Primeiro foi ele, meio acanhado. Porteiro de boate, com terno preto e tudo, parecia um príncipe caipira na boca do lixo.

Com o tempo se transformou, virou um bruto, deixou de ser aquele roceiro medroso que ela aprendera a gostar. Mas o dinheiro era bom. Pior, era essencial.

Então, ela também foi. Lavar e costurar roupas de cama da casa de shows. Até mesmo limpar o palco, na falta de alguma faxineira.

Mas hoje em dia não dá mais para entrar naquela boate. É o cúmulo da humilhação. Mexer com as trouxas de lençóis é um martírio. Quanta gente já tinha deitado neles? Quanta mulher ruim, a fazer coisa feia, com aqueles homens e mulheres bêbados, sujos, perdidos…

Uma montanha de roupas limpas a espera em casa, para serem passadas, enquanto o marido largou-se por aí. Faz tempo que não sabe onde ele se meteu; se está no bordel ou em outro lugar; se ainda está com a namorada ou também a abandonou, como fez com ela.

Pior: o que dirão aos meninos, quando se tornar impossível esconder a vida que eles levam? Melhor: o que ela dirá, pois faz dias que os guris não veem o pai, hoje mais preocupado com a gravidez da namorada.

O fim de tarde se torna pesado. As ruas, coalhadas de carros, deixam tudo meio avermelhado, meio escuro, meio nada. Um vazio cresce no peito.

Dá vontade de ligar para o templo. Quer falar com a esposa do pastor, que lembra a mãe dela. Disca o número no celular pré-pago, com poucos minutos restantes, só para ouvir a sua voz, tão firme, tão meiga.

Atravessa a rua fora da faixa de pedestres, com a cabeça lá no sítio e no seu rapaz envergonhado, que não existe mais.

Uma obreira atende, no templo. Do outro lado da linha, apenas um burburinho indefinido.

– Alô? Quem fala? Alô? Alô?

Nada. Só as falas da multidão, desencontradas, que ganham volume.

– Olá, você quer falar com o pastor?

Ouve gritos. Buzinas de carros, impacientes. Sons de gente assustada, como se estivessem a recolher algo no chão. E volta a atender os fiéis.

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