8:23Em defesa dos advogados criminalistas

por Renato  Kanayama

“Ontem, assistindo a telejornal, me deparei com xingamentos da multidão aos advogados do Cunha. Lamentável confusão entre criminoso e defensor, como fosse este autor dos crimes do outro.”

Nós, advogados, somos exatamente iguais defendendo as prerrogativas da profissão.
Antes, entretanto, que haja qualquer indignada reação, retifico: desiguais, pois defendem-na melhor os colegas advogados criminalistas, e fazem-no espontaneamente, fato ao Advogado ELIAS MATTAR ASSAD, que defendendo a prerrogativa do advogado de entrevistar-se com o cliente o fez, com êxito, sem auxílio da Ordem, e disse-lhe desde logo que a Ordem precisa muito mais dele que ele da Ordem, pois advogados como ele o são nossa infantaria, abrindo caminho às outras armas nessa nossa luta em defesa das prerrogativas da classe.

Advogados incompreendidos, os criminalistas, que recebem os olhares da reprovação na defesa das prerrogativas, o fazendo quase sempre na defesa do constituinte. Não defendem a si próprios, confusão que procuram sempre fazer, mas defendem as garantias da classe em favor da liberdade do cliente. Essa confusão, que interessa aos detentores do poder para fazê-los objeto de crítica de todos, da opinião – não pública, segundo distingue Barbosa Moreira –, mas publicada, merece repúdio, e devemos sempre desfazê-la. Faltam-me atributos para
isso. Mas leitor que sou, busco palavras em autores que expressaram-se como jamais poderia eu expressar-me, palavras de Evandro Lins e Silva:

“A repercussão do caso muitas vezes transforma a repressão numa perseguição. Já aí não se quer que ele tenha as garantias legais, prazos para se defender. Todo mundo acha que, para obter provas contra ele, pode-se praticar todos os atos condenáveis, por exemplo, a tortura. Todo mundo acha que o sujeito pode ser submetido a vexames. Não. Tem que ser respeitada a criatura humana, apesar de ser um delinqüente. O direito da pessoa humana supera tudo, eu acho. Além disso, eu, como advogado – e aqui a profissão de fé do advogado criminalista
–, não estou sendo o juiz da causa, não estou fazendo um julgamento, estou patrocinando um interesse. E no patrocínio desse interesse, desde que a minha conduta seja exata, correta, legal, decente, limpa, ela tem que ser entendida e  respeitada. Eu não vou pleitear um absurdo. Acho mesmo que o advogado tem que compreender que não pode pleitear aquilo que é desarrazoado, que é um despropósito, que é um disparate, porque ele não obterá êxito. Ele precisa exatamente saber o limite, o máximo que pode obter em favor do seu constituinte, de acordo com as regras legais, morais, éticas.”  (O Salão dos Passos Pedidos, pág. 310)

Retomo, entretanto, a primeira afirmação para dizer-lhes: somos iguais, porque  advogados. Não aprecio repetições, idéias novas agradam-me mais. No entanto, à falta de melhor texto para decodificar a afirmação “somos iguais, porque advogados”, vou ao Dicionário de Processo Civil, de Eliézer Rosa, para saber por que somos advogados, e sendo, somos iguais:

“ADVOGADO – É o bacharel em direito devidamente inscrito na ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. É o que advoga, e não apenas o que é formado em leis. 

Os advogados têm sua ORDEM, que os protege, defende e disciplina. Os advogados têm seu Código de direitos e deveres, onde está escrito o médio do que podem e devem fazer, porque o mínimo e o máximo dessa sublime profissão já vêm escritos na alma de cada um que a ela se entrega: o mínimo, na irredutibilidade moral de seus princípios; o máximo, na vontade indomável, na confiança do seu saber, no arremesso glorioso de certos momentos da vida profissional, que deles exigem tudo, até a temeridade de um milagre.
O advogado está abaixo do Sacerdote, mas acima de tudo o mais, na beleza imortal da advocacia exercida com saber e dignidade.

Se Napoleão pretendia cortar a língua a todo advogado, VOLTAIRE queria ser advogado, porque achava que era a mais bela carreira humana; e BRIEUX queria que os advogados fossem anjos, porque a advocacia era profissão acima das possibilidades humanas. Quando se vive dos sofrimentos humanos, dizia ele, deve-se estar acima deles.

Já que é este livro para jovens que estão iniciando sua vida profissional, permitam que aqui se deixe um pouco da gravidade e frieza da ciência, e se abra, espaço a um pouco de fantasia. Ouça-se este lanço admirável de FIOT DE LA MANCHE, elogiando a profissão de advogado: ‘Sem armas esta profissão doma a força; sem força arrosta a violência; sem violência reduz o fausto e a prepotência à modéstia e ao temor. A pobreza a procura como o seu asilo, a riqueza como o
seu apoio, a honra como a sua luz, a reputação como a sua égide, a própria vida como meio de conservação. A justiça a venera como um dos instrumentos de seus oráculos; a eloqüência tem-na como filha predileta; a virtude é especialmente o seu motivo e a sua recompensa; a ciência lhe serve de regra e de guia e a fama amplifica o esplendor de seus sucessos e de sua glória.

‘Ela comove os indiferentes, conforta os fracos, detém os poderosos; e se todos a admiram, os juízes a estimam, a protegem e a amam. ‘Enfim, atrair sem constrangimento, conquistar sem império, sucumbir sem opróbrio e triunfar sem vaidade e sem orgulho; aí tendes as suas características; prosperar sem exprobrações, acreditar-se sem cabala, elevar-se sem favor,

*Discurso feito por ocasião da posse de Nilton Ribeiro de Souza como presidente da ASSOCIAÇÃO PARANAENSE DOS ADVOGADOS CRIMINALISTAS

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5 ideias sobre “Em defesa dos advogados criminalistas

  1. Fausto Thomaz

    O que são 1000 advogados mortos acorrentados no fundo do mar?
    R: Um bom começo hihihihihihihi

  2. Franco

    Como defender culpados
    (peça ficcional e humorística, sem vínculo com a realidade)

    Minta sem dó nem piedade, afinal se fosse para dizer a verdade, seu cliente chamaria um padre para confessar, e não um advogado;
    Invoque perseguição política
    Diga que o Sr. Fulano não precisa disso para ganhar dinheiro, pois tem um patrimônio invejável e não macularia sua história por tão pouco,
    Alegue que houve uma sórdida tentativa anterior de extorsão por parte do denunciante,
    Invoque uma campanha difamatória
    Invoque inveja
    Alegue vingança por um ato anterior,
    Diga que a iniciativa da investigação foi do ora acusado,
    Duvide de todos os laudos e perícias,
    Diga que as provas são ilegais,
    Diga que as provas estão fora de contexto,
    Alegue a falsidade de cada prova,
    Alegue tortura policial, mesmo que a tortura seja “psicológica”,
    Alegue que declarações comprometedoras foram dadas em momento de fragilidade emocional, ou sob efeito de medicamentos, ou sob a “tortura psicológica” do item anterior,
    Diga que as autoridades (delegado, promotor, juiz) estão “querendo aparecer para a mídia” ou “ter seus quinze minutos de fama”, . Vc terá muita sorte se um deles já foi candidato a cargo eletivo ou mesmo filiado a partido político,

    Diga que o inquérito “é uma peça de ficção”;
    Diga que em “X” anos de advocacia você nunca viu maior absurdo do que este processo;
    Semeie dúvida, dizendo que “os verdadeiros culpados” estão soltos e destruindo evidências,
    Invoque pretensas análises técnicas que pautaram o ato que supostamente seu cliente cometeu em dolo…,
    Alegue desconhecimento.
    Alegue que essa decisão não estava sob alçada do seu cliente;,
    Alegue que o relacionamento de seu cliente com o “culpado-da-vez, flagrado” era meramente institucional;
    Alegue legítima defesa, não importa o quão estúpido isso possa parecer,
    Denigra o caráter do acusador ou da vítima,
    Ponha a culpa na vítima, (melhor se ela tiver morrido, pois mortos não falam),
    Invoque a história ilibada e honrada do acusado,
    Traga testemunho de vizinhos, empregados e amigos, dando conta do excelente caráter do acusado,
    Alegue sempre que as provas são inconclusivas, imprecisas…
    Mostre sempre estar sendo perseguido pelo “estado inquisidor”,
    Desqualifique testemunhas,
    Semeie dúvida,
    Lembre dos riscos morais de se condenar alguém em dúvida, usando a virtude dos julgadores em prol da mentira,
    Faça de conta que os elementos que lhe são desfavoráveis não existem, esqueça-os deliberadamente, desqualifique-os,
    Passe sempre a imagem de que seu cliente é uma vítima do sistema. Providencie que ele sempre esteja com essa aparência, ao sair de fóruns, mantenha-o abraçado a você,
    Alegue abalo emocional profundo do acusado, depressão, problemas cardíacos..
    Ameace processar judicialmente quem acusa, sejam vítimas, testemunhas, promotores, advogados, juízes, imprensa…
    Enrole os atos até os limites que a generosa lei processual admite. Não perca uma oportunidade de atravessar um embargo, um agravo, um atestado médico, uma petição qualquer…
    Acuse a justiça, o MP ou a vítima de fazer o que você na realidade faz;
    Acuse obstrução da defesa por qualquer motivo;
    Arranje testemunhas que moram longe, de preferência em outro estado ou país;
    Aposte na morosidade do sistema,
    Atrase deliberadamente atos que vc sabe que paralisam o processo,
    Prescrição”, essa palavra é poderosa;
    Aposte na memória curta das pessoas,
    Tenha sempre uma tecnicalidade de algibeira para alegar mácula de todo o processo;
    Se as coisas começarem a se esboçar desfavoravelmente, alegue nulidades com todas as suas forças;
    Ou simplesmente arme uma confusão e abandone o recinto,
    Diga que que “não há sequer um fato”, mas sim conjecturas na acusação,
    Aposte na emotividade dos jurados;
    Diga que seu cliente precisa de tratamento psicológico/psiquiátrico,
    Manter-se familiarizado com o mundo dos juízes, frequentar os mesmo lugares que eles e manter amizades influentes é muito interessante…

    Cobre caro, muito caro, pois essa provavelmente vai ser uma das poucas punições do seu cliente,

    [Franco_2016]

  3. Silvio Vianna

    Em verdade, Dr. Renato Kanayama é o maior defensor das prerrogativas e liberdades, dominado por uma cultura invejável, que todos gostaríamos de tê-la, e a alma humilde e discreta dos grandes. Com perfeição nos presenteia com a distinção entre advogado e cliente. Tempos difíceis estão chegando e, novamente, a Advocacia é posta à prova para resgatar a dignidade deste nosso País!

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