6:51CONSTRUÇÃO

De Yuri Vasconcelos Silva

As pranchas de madeira clara, vagabunda e cheia de nós, estavam justapostas. Unidas por ripas e arames, subiam em prumo para o alto. Cada tábua mostrava velhas lágrimas arrancadas do corte – já secas – e veios com sua história anterior, assim como é a palma da mão. Perfaziam um miolo oco, uma forma rudimentar em volta de um buraco no solo. Dentro do vazio entre as pranchas de pinho, uma armação enferrujada de gravetos de ferro se equilibrava em balanços. Pareciam gaiolas esquecidas no tempo. Rangiam com o vento, esfacelando-se aos poucos em cascas de ferrugem que se depositavam no fundo escuro deste oco. Era o esqueleto de algo ainda a existir e, até lá, era frágil como folha seca. As paredes do buraco, dentro desta casca improvável, registravam a raiva de pás e picaretas. As cicatrizes marcadas no solo úmido testemunharam impactos decididos para a extração da terra e conformação deste leito. No buraco, camadas ocres variavam de tons e texturas nas cinco sobreposições de terras, férteis na superfície e pobres na profundidade. As camadas nunca se cruzavam. Revelavam uma peculiar ordem da natureza e do tempo. O ronco esfumaçado fez tremer o chão. Derrubou alguns insetos que viajavam ascendente entre as faixas de ocres desta terra onde me deitei. O céu estava azul pálido e nenhum pássaro, ou galho de árvore, ou gota de chuva interferia no quadro de visão. A terra entre a unha e a carne só existia em imaginação. A boca balbuciante de uma mangueira surgiu no alto, contorcendo-se prestes a vomitar. Enfim o jorro cinza foi expelido daquela serpente de borracha negra. Caiu com o peso de um homem sobre meu corpo. Debaixo deste concreto e brita, minha mente se prepara para silenciar e minha existência se tornar um bloco elegante aparente sob o céu azul impecável desta cidade.

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