7:40Bom Conselho

por Fernando Muniz 

Cruza a porta do banco naquele final de tarde sem fazer o alarme soar; bom sinal por um lado, pois não precisará explicar a prótese de fêmur; mau sinal por outro, porque o alarme nem deve estar ligado.

Caminha pela via rápida rumo ao ponto de ônibus absorvido por essas possibilidades e não percebe um rapaz magro, de japona apesar do calor, aproximar-se pela esquerda.

“Passa a grana, vovô!”

Leva um susto com a voz de assalto; o rapaz põe a mão no bolso e puxa um revólver. Em plena luz do dia, ou seja, não tem nada a perder. E tão novo, poderia até ser um neto seu. Os carros seguem a toda velocidade pela via rápida, alheios aos dois. Como se não passasse nenhum.

“Veja só, guarde isso. Não há necessidade. Pode levar o que quiser”.

“Me dá logo a carteira, porra!”

O velho põe a mão no bolso interno do paletó, bem devagar, como seus filhos lhe ensinaram. Não reagir, não entrar em pânico, não fazer gestos bruscos.

Pega a carteira e a entrega ao rapaz, que, inexperiente, começa a investigar o conteúdo ali mesmo.

“Veja só, se você não quiser os meus documentos, posso ficar com eles?”. O rapaz não responde, mas joga a carteira na calçada.

O velho, assim que apanha a carteira, grita ao rapaz, a essa altura do outro lado da avenida: “Ei! Você!”.

Ele segura a marcha e se vira para onde veio o grito, pondo a mão no bolso, à procura do revólver.

“Quanto que eu te dei?”.

“Quase cem”.

“Não vá gastar com besteira por aí!”.

* Inspirado em passagem do livro “Patrimônio”, de Philip Roth.
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