por Fernando Muniz
“De jeito nenhum! Não quero elas aqui”. O pai da aniversariante não consegue disfarçar. “O quê?! Mas elas são convidadas, como as outras! São nossas vizinhas”. Ela não acredita no que o marido diz.
“Não interessa. Você sabe que eu não suporto essa gente. Faça alguma coisa”. Pega uma cerveja e vai para a sala de TV, conversar com os cunhados.
A mãe suspira. Difícil não notá-las entre as outras crianças, todas pulando no jardim, felizes da vida, indiferentes aos adultos, naquela tarde sem nuvens.
Quase hora do parabéns. Ela pensa que o pior já passou. O pai retorna, de cara fechada, meio alto. “Se você não resolver isso agora, vou resolver do meu jeito”.
Ela se assusta. Chama a empregada, aponta para as vizinhas, pede que as sirva bolo na garagem. As duas meninas obedecem, umas graças em seus vestidos claros e cabelo afro.
A mais nova acha esquisito comer ali, mas tudo naquela casa é tão diferente e divertido que nem se preocupa muito. Tenta encontrar um canto onde sentar e que não suje a sua roupa nova, que a mãe comprou para elas fazerem bonito na festa.
A mais velha, melhor aluna da sala, viu as coisas de um modo diferente assim que percebeu o ar desolado da anfitriã e o de asco do marido, ao indicarem onde fica a garagem.
“Vocês não querem comer”? A empregada tenta disfarçar o constrangimento. A mais nova quer, porém a mais velha apanha os pratos, as colheres e diz: “Não”.
Chama a irmãzinha e tomam o rumo do portão da garagem. A empregada não entende, vai atrás delas, afinal, poderiam ser suas netas, apesar de mais bem-tratadas. “Onde vocês vão”?
A mais velha para em frente ao carro da família; decerto é o daquele homem. Joga os pratos no chão.
E pisa nos bolos.