por José Maria Correia
Muitos dos meus raros amigos não compreendem minhas idas para Matinhos todos os finais de semana, com sol ou com chuva e mesmo no inverno.
São os momentos que reservo para me reencontrar, longe da selva de pedra, do ruído dos engarrafamentos e da aridez do asfalto.
Entendo a magia da montanha na estrada que, serpenteando como um dragão chines em um festival, me guia entre abismos e florestas em direção ao mar anil profundo e ao encanto da cidade pequena.
Tomar um café da tarde, sossegado, na confeitaria tradicional com as professoras saídas das escolas com seus uniformes azuis .
Ver a algaravia da criançada nas praças e nas esquinas.
Entrar nas pequenas lojas e bancas de revistas, nos aviários e nas frutarias para comprar mimosas, bananas, uvas, maracujá e abacate, como meu pai fazia sempre ao cair da tarde, itinerário de saudades.
Chegar na rua deserta do balneário antigo e ver no portão da casa a alegria dos gatos de rua à minha espera, todos eles adotados pressentem a minha presença no calendário felino .
Depois cuidar do jardim, proteger os ninhos e bebedouros dos passarinhos e ir da varanda assistir o espetáculo do por do sol e o crepúsculo na Serra da Prata .
A tarefa noturna que se segue é acender o fogo na lareira, abrir um vinho chileno de boa safra e reler meus poetas antigos, Rubén Dario, Pessoa e José Martí.
Na penumbra ficar só e, em quietude total, meditar escutando a lenha crepitar no fogo; depois, no veludo noturno, sair, olhar as estrelas e as constelações primitivas da criação do mundo.
Sentir o frio e o vento leste gelar o rosto.
Ter a memória límpida do paraíso perdido e sentir ainda que as coisas e os fatos da vida vão se encaixando com simplicidade na sua ordem natural.
Desambicionadas.
Mesmo aquelas da condição humana que inventamos e nos angustiam a alma.
Notar que os elementos da natureza estão presentes e posso ve-los,diferente da cidade grande sentir cada um deles.
Perceber que pode haver ainda beleza adormecida no outono de nossas vida. E que a delicadeza, apesar de tantos apesares, sempre existirá.
Observar ao longe, de minha janela, a nostalgia das canoas dos pescadores com os lampiões acesos na popa tremulando e refletindo na bruma e no limite do infinito do oceano .
Ver pousar no beiral uma coruja, velha amiga e companheira que vem piscar os olhos para mim, cúmplices que somos da solidão da noite e nos compreendemos admirando o silêncio e seus mistérios.
Depois ela voa, retorna, revoa em círculos e vai embora piando o seu mantra errante uhu,uhu,uhu, duas, três vezes.
Fico estático.
Não sei voar. Tentei muito aprender e nunca consegui.
Conformei-me assim, triste bípede implume.
Mas nos meus sonhos sou um grande Condor de asas imensas e magníficas e todas as noites voo – e é durante a madrugada que atravesso toda a Cordilheira dos Andes, os picos e as geleiras até encontrar o alvorecer no deserto do Atacama.
E nesse meu voo que o amor acompanha meu velho coração, como nos versos de Pablo Neruda, ou melhor ainda, como no Romance Sonâmbulo de Frederico Garcia Lorca…
Verde que te quero verde
Verdes ventos verdes ramas,
Sob a lua gitana
O barco vai sobre o mar
E o cavalo na montanha
Zé, parabens pelo texto. Ao ler lembrei da musica cantada pelo Fagner
http://www.youtube.com/watch?v=1_LO1yBV9wc
E para emendar a minha favorita cantada por ele:
http://www.youtube.com/watch?v=hoFsby5MJiM
Abraço
Grande José Maria: teu poema em prosa mostra em primeiríssimo lugar o inverso da ideia de João Guimarães Rosa, de que “viver é perigoso”… e muitas coisas mais!